Título: Provocada pelo Brasil, OMC deve discutir a guerra cambial
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 15/04/2011, Brasil, p. A3

Provocada pelo Brasil, a pedido do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que voltou ontem a denunciar a existência de uma "guerra cambial", a Organização Mundial do Comércio (OMC) deve entrar na discussão sobre os efeitos das políticas cambiais dos países sobre o comércio mundial. O embaixador do Brasil na OMC, Roberto Azevedo, divulgou entre as delegações em Genebra um documento cobrando da instituição um debate e medidas sobre o tema. Em maio, segundo revelou Azevedo, ele oficializará a proposta de discutir na OMC os efeitos do que chama de "assimetria cambial".

"Queremos começar o debate na OMC para dizer se a assimetria cambial é um problema, se afeta o comércio, como afeta, se a OMC tem de ter disciplinas, se o Fundo Monetário Internacional está fazendo sua parte", explicou Azevedo, que integra a delegação da presidente Dilma Rousseff na China.

O diplomata evita falar em "câmbio depreciado", termo usado pelos que acusam países como China e Estados Unidos de desvalorizarem artificialmente sua moeda para baratear e impulsionar exportações. O documento, contudo, enviado antecipadamente pelo Brasil às delegações em Genebra menciona, sem citar nomes, o "vasto número de países" com políticas de expansão de gastos orçamentários e políticas de taxas de juros baixas, com efeitos sobre as cotações das moedas e impacto no comércio com o exterior.

O debate levado à OMC já vem sendo realizado no governo brasileiro, entre os economistas mais próximos à presidente Dilma, que mencionou o câmbio como uma grande preocupação, em declarações à imprensa durante a viagem à China. Dilma levou à China os ministros da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, e do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e o principal auxiliar de Mantega, o secretário-geral do ministério, Nelson Barbosa, por coincidência há tempos preocupados com a valorização do real.

Dilma, segundo comentou Pimentel, está convencida de que só conseguirá deter de maneira sustentável a valorização do real quando criar condições de reduzir os juros, que atraem aplicações do exterior ao mercado brasileiro.

Dilma, segundo um importante auxiliar, chamou Coutinho para seu lado em diversas reuniões, na viagem. Ele, recentemente, em reunião promovida pela Confederação Nacional da Imprensa (CNI), no Brasil, confidenciou aos empresários estar preocupado com a "pressão do mercado financeiro" para forçar o governo a permitir a valorização do real. Coutinho, segundo um participante da reunião, sugeriu aos empresários divulgarem as preocupações com o câmbio, para não deixar o mercado financeiro como principal interlocutor sobre o tema.

Mantega consultou o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, sobre a possibilidade de a organização passar a tratar da "guerra cambial", apontando os efeitos do câmbio sobre o comércio e regulando as distorções provocadas pelas medidas de desvalorização. Incentivado pelo interesse de Lamy, o governo decidiu levar o tema ao grupo de trabalho Comércio, Dívida e Finanças (considerado de alto nível), que, até recentemente, concentrou recomendações e orientações ao FMI e Banco Mundial no tema de financiamento ao comércio.

A OMC tem, em seu mandato, regras genéricas que proíbem os sócios de usar a política cambial como maneira de encarecer produtos importados e, assim, anular o efeito de abertura de mercados criado com a redução de tarifas de importação. Quem tem autoridade sobre questões cambiais é o FMI, onde não prosperou a discussão sobre o efeito do câmbio no comércio. "Não sabemos se sairão recomendações de medidas desse debate, mas a discussão que começou no G-20 estará, agora, na OMC", comentou Azevedo.

A proposta ao grupo de trabalho da OMC cita a decisão do G-20, tomada em Seul, na Coreia, de buscar "sistemas de taxas de câmbio mais orientados pelo mercado, melhorando a flexibilidade da taxa de câmbio para refletir fundamentos econômicos", se comprometendo a evitar "desvalorizações competitivas de moedas". A China é alvo óbvio da recomendação.

Embora reconheça que o grupo de trabalho da OMC não é uma instância de negociação, a delegação brasileira vê na organização, porém, a melhor forma de deixar clara a influência do câmbio sobre o comércio e decidir se é necessário propor controles e regras.

Na proposta brasileira, são sugeridos dois pilares para o trabalho do grupo da OMC, até 2012. O primeiro é o debate sobre a influências das políticas cambiais sobre o comércio. A OMC, se for aceita a proposta brasileira, deverá promover painéis com especialistas, receber autoridades dos países membros para relatar experiências reais nessas economias, e encomendar estudos próprios.

O segundo pilar do trabalho, voltado ao lado prático da discussão, será a elaboração de dois textos de discussão, um por especialistas independentes, outro conjunto, da OMC, FMI e Banco Mundial, para mostrar coincidências e conflitos na atuação dessas instituições multilaterais na ação sobre câmbio e comércio. Da discussão, levada aos países membros, deverão sair recomendações de políticas a serem promovidas pela OMC. "Não é uma discussão que tenha de desembocar em medidas sobre câmbio, pode-se até concluir que não são necessárias, tudo é objeto de estudo", disse Roberto Azevedo.