Título: Portugal traz turbulência de volta à zona do euro
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Fonte: Valor Econômico, 15/04/2011, Opinião, p. A12
Portugal finalmente jogou a toalha. Nesta semana, começou a negociar um pacote de ajuda com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI), estimado em ¿ 80 bilhões (US$ 116 bilhões).
O país sucumbiu à pressão do mercado financeiro, que colocou sob suspeita sua capacidade de superar os efeitos da crise internacional e corrigir os estragos nas contas públicas e déficit externo.
Portugal é a letra P de Piigs, sigla em inglês criada no ano passado para designar o grupo de cinco países da zona do euro que ficaram mais vulneráveis após a crise internacional, abalados pela desaceleração econômica, elevado déficit público e rombo nas contas correntes. Além de Portugal, fazem parte do grupo Espanha, Grécia Irlanda e Itália.
Dos cinco, três já tiveram que pedir ajuda aos companheiros do euro. Primeiro foi a Grécia, em maio de 2010, que tem um déficit fiscal equivalente a 12,7% do Produto Interno Bruto (PIB) e a suspeita de que o número foi manipulado e pode ser muito maior. Depois, foi a vez da Irlanda, que pediu socorro em novembro, após estourar seu caixa para salvar o sistema bancário, quebrado pelo estouro da bolha imobiliária.
Em seguida, as baterias dos mercados e analistas voltaram-se para Portugal, que, além de arrastar um déficit público próximo de 10% do PIB, não está conseguindo recuperar sua economia, dependente da exportação de bens de baixo valor e uso intensivo de mão de obra, como produtos têxteis. Nesta semana, o FMI reduziu a expectativa de crescimento da economia portuguesa neste ano para 0,7%, ainda assim com alguma melhora em comparação com 0,3% de 2010.
O fogo amigo também contribuiu para a situação. Pouco antes de pedir ajuda à União Europeia, o primeiro-ministro José Sócrates, do Partido Socialista (PS), tentou passar no Congresso um pacote de austeridade que prometia reduzir o déficit fiscal do país a 4,6% do PIB no fim deste ano. Mas a oposição não aprovou as medidas. José Sócrates pediu demissão e convocou novas eleições para junho, que devem ser ganhas pelo líder do Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita, Pedro Passos Coelho, principal opositor do pacote de ajuste.
Enquanto as divergências políticas imobilizavam o governo, o mercado financeiro fritava a dívida portuguesa, com a ajuda das agências de rating, que rebaixaram a classificação do país. As condições de financiamento da dívida pública pioraram muito. Os juros dos títulos portugueses chegaram a superar 8%.
De nada adiantou a bravata política porque a ajuda da União Europeia e do FMI só vai se concretizar em troca de um programa de austeridade. Pelas informações vazadas, o pacote deve incluir aumento de impostos, reforma do mercado de trabalho, congelamento dos salários públicos, corte de gastos com saúde e fala-se até na privatização da empresa aérea TAP e de venda de ações do banco Caixa Geral de Depósitos (CGD). A intenção é levar o déficit público a 4,6% neste ano; 3% em 2012 e 2% em 2013.
A tensão não acaba aí. Passada a turbulência em Portugal, muito provavelmente os especuladores voltarão suas baterias para outro alvo entre os Piigs e tudo indica que a bola da vez será a Espanha. Mas, nesse caso, pode-se esperar uma resistência maior. A Espanha é a quarta maior economia da zona do euro e tem recursos para capitalizar os bancos, especialmente as vulneráveis cajas de ahorro regionais. O governo de José Luis Rodríguez Zapatero já implementou medidas de austeridade que prometem reduzir o déficit público de cerca de 10% do PIB de 2010 a 6% neste ano.
Até o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, saiu em defesa de Madri nesta semana ao dizer que "a Espanha fez mais progresso do que outros países" e informar que a previsão de crescimento da economia espanhola neste ano aumentou de 0,6% para 0,8%. Mas o calcanhar de Aquiles da Espanha pode estar em outro lugar. Enquanto a dívida pública está em relativamente nos bem comportados 62% do PIB, a dívida privada chega a 170%, o que aumenta a vulnerabilidade dos bancos espanhóis.
O Banco Central Europeu (BCE) não ajudou a desanuviar o clima ao elevar a taxa básica da zona do euro de 1% para 1,25%, na semana passada, enquanto Portugal se debatia. A zona do euro é a primeira entre as economias avançadas a elevar os juros. Mas o cenário ainda não é favorável: a inflação chega a 2,6%, a demanda está fraca, o crédito travado e o desemprego ronda 10%. Segundo o FMI, a economia da região vai crescer 1,6% neste ano, ligeiramente menos do que o 1,7% de 2010.