Título: Contrariado, Lula adere às sanções
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Fonte: Correio Braziliense, 11/08/2010, Mundo, p. 21

Ao assinar decreto acatando resolução do Conselho de Segurança, presidente mantém tradição de seguir o multilateralismo. Decisão não deve prejudicar relações entre os países

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou uma saída diplomática e pacífica. Até viajou a Teerã e, em 17 de meio passado, convenceu o colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad, a aderir a um acordo nuclear proposto pelo Brasil e pela Turquia. Menos de um mês depois, as potências ocidentais preferiram adotar a Resolução nº 1.929, estabelecendo sanções contra o Irã. O chanceler Celso Amorim anunciou que um contrariado Lula assinou ontem um decreto que prevê a aplicação das punições ao regime islâmico. Não acreditamos que essa resolução, que estabeleceu as sanções, contribua para resolver o problema principal, que é o programa iraniano, afirmou o ministro.

Amorim lembrou que o governo brasileiro nunca apoiou a adoção de medidas de retaliação ao programa de enriquecimento de urânio de Ahmadinejad. Com a assinatura do decreto, o Brasil passará a adotar as restrições comerciais previstas ao Irã. O presidente Lula, como aliás havia sido dito desde o início que ocorreria, assinou o decreto internalizando a Resolução nº 1.929 do Conselho de Segurança, alegou o chanceler. Quando o Brasil propôs o acordo juntamente com a Turquia, e chegou à Declaração de Teerã, o fez baseado numa proposta da própria Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em outubro do ano passado, e cujos termos centrais foram reiterados em carta pelo presidente (Barack) Obama, cerca de 15 dias antes da visita de Lula. Portanto, foi com decepção que recebemos a decisão do Conselho de Segurança, explica o chanceler.

Ao justificar a aceitação das sanções contra o Irã, o chanceler brasileiro alertou que punições insuflam o radicalismo e não contribuem para a solução do impasse. Obviamente não cremos que o isolamento contribua para a solução pacífica da questão. O isolamento, em geral, contribui para mais radicalismo. O isolamento geralmente atinge os mais pobres, os mais vulneráveis, disse.

De acordo com Amorim, a assinatura do decreto comprovou a tradição brasileira de cumprir as decisões de organismos internacionais e o multilateralismo. O presidente Lula assinou o decreto porque o Brasil tem a tradição de cumprir com as resoluções do Conselho de Segurança, mesmo quando não concorda com elas, por ser fiel ao multilateralismo e ser contra decisões unilaterais. Amorim citou os Estados Unidos e a União Europeia como exemplos de país e grupo de países que adotam posturas unilaterais. Segundo ele, o documento não afetará profundamente a relação (do Irã com o Brasil. Não atinge o agronegócio, porque alimentos não estão incluídos. () Para alguns bancos e empresas suspeitas de terem envolvimento com atividades nucleares, há uma recomendação de que não se faça negócio com elas, explicou Amorim.

Direitos humanos Além de apoiar o Irã nessa questão, o governo brasileiro formalizou ontem a oferta de asilo a Sakineh Mohammadi Ashtiani, uma iraniana de 43 anos condenada à morte por apedrejamento. Ela é acusada de adultério, um crime passível de morte, de acordo com a legislação do país islâmico. Ontem, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, expressou a preocupação de seu país com a situação de defensores dos direitos humanos no Irã que enfrentam execuções iminentes.

Punições ao regime islâmico

O que o Brasil precisará cumprir e que recomendações poderá seguir, segundo a resolução da ONU

» Material nuclear Obrigatório: o Brasil fica proibido de realizar qualquer intercâmbio com o Irã em atividades relacionadas a extração, beneficiamento e processamento de urânio e de outros materiais físseis, assim como firmar cooperação tecnológica nesse terreno

» Tecnologia de mísseis Obrigatório: a mesma disposição se aplica no que diz respeito a mísseis balísticos capazes de portar ogivas nucleares

Recomendação: o Brasil e outros países são instados a evitar a transferência (direta ou indireta) para o Irã de tanques, sistemas de artilharia pesada, aviões e helicópteros de combate, tanques e blindados, navios de guerra e sistemas de mísseis

» Movimentação financeira Obrigatório: bancos e outras instituições financeiras vinculadas ao programa nuclear (diretamente) ou à Guarda Revolucionária do Irã são banidas de operar nos países membros, inclusive no Brasil

Recomendação: o texto não lista instituições ou indivíduos nominalmente, o que faculta a cada país interpretar a definição acima

» Vigilância e inspeções Recomendação: o Brasil é convocado a exercer vigilância e restrições sobre movimentação de materiais e tecnologias proibidos ao Irã

Recomendação: o governo brasileiro será autorizado a requerer inspeção de cargas a outros países, porém o procedimento estará sujeito a consentimento por parte do país de matrícula da embarcação ou aeronave. Todos são chamados a cooperar com as medidas