Título: Chances de acordo no G-20 são remotas
Autor: Otoni , Luciana
Fonte: Valor Econômico, 15/04/2011, Finanças, p. C3

Esquentou ontem a batalha retórica sobre a adoção ou não de um código de conduta para fluxos de capitais. O tema, que coloca de um lado basicamente as economias avançadas e, de outro, os países emergentes, volta à agenda do G-20, cujos ministros da Fazenda se reúnem hoje em Washington, depois que o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou uma cartilha para orientar a aplicação de controles de capitais por seus membros na semana passada.

As chances de ser aprovado um código de conduta são remotas, porque dependeria do apoio de todos os membros do G-20, já que as decisões nesse fórum são tomadas apenas por consenso.

O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, ironizou o ataque feito à cartilha nas discussões no conselho de diretores do fundo. "Fiquei surpreso, tenho que admitir, que algumas pessoas são mais católicas do que o papa", afirmou Strauss-Kahn, sem se referir a nenhum país de forma específica. O Brasil é um dos países que se opuseram à edição da cartilha.

Nela, o FMI lista recomendações para os países que pretendem impor controles de capitais. Primeiro, diz o FMI, é necessário tomar medidas macroeconômicas, como deixar a moeda se apreciar para quem tem câmbio subvalorizado, comprar dólares quando o país ainda não chegou a um nível ótimo de reservas e, para economias que não estão superaquecidas, baixar os juros.

O representante brasileiro no FMI, Paulo Nogueira Batista Jr., é um dos mais vocais opositores à cartilha. Para ele, o estatuto do FMI já autoriza expressamente o controle da conta de capitais e qualquer tentativa de criar uma cartilha será um retrocesso.

Os países emergentes também querem maior ênfase do FMI nos fatores que causam os fluxos de capitais, como os baixos juros e a forte emissão monetária em países desenvolvidos. Pela manhã, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, voltou a declarar, dessa vez ao jornal "Wall Street Journal", que o mundo atravessa uma "guerra cambial",

Strauss-Kahn sustentou que os opositores à cartilha não estão reconhecendo o avanço que ela representa. "Durante décadas, o FMI disse apenas que controles de capitais são maus", afirmou ele. "Nós estamos adotando uma visão mais pragmática", seguiu Strauss-Kahn. Agora, disse, o FMI admite os controles de capitais desde que não substituam as políticas macroeconômicas adequadas.

Algumas horas depois das declarações de Strauss-Kahn, o G-24, grupo que reúne as economias em desenvolvimento, declararam em comunicado oposição à cartilha do FMI. "Os ministros não concordaram com o proposto arcabouço", afirma a nota. O G-24 pregou liberdade para os países escolherem as ferramentas para lidar com os fluxos de capitais.

A França, que coordena a agenda do G-20 neste ano, tentou aprovar em fevereiro um código de conduta para os fluxos de capitais durante um reunião em Paris. Mas acabou sendo derrotada pelos países emergentes. Ontem, a ministra de economia da França, Christine Lagarde, disse que apoia a cartilha criada pelo FMI e defendeu o direito do Brasil de impor controles. "O Brasil foi vítima de movimentos muito massivos e brutais de capitais", afirmou ela.

Na reunião do G-20 de hoje também são esperados avanços na agenda para corrigir desequilíbrios entre as principais economias globais. O ponto central, sob a perspectiva sobretudo dos Estados Unidos, é lidar com a sobrevalorização da moeda chinesa. O G-20 está mais próximo de definir um conjunto de cinco indicadores para monitorar desequilíbrios: dívida pública, déficit fiscal, conta corrente, poupança e endividamento do setor privado. Seriam monitoradas todas as economias do G-20, com uma atenção especial para os países que representam mais de 5% do PIB mundial.

Outra discussão no G-20 é sobre a regulação do mercado de "commodities". Essa é outra iniciativa da França, que resolveu das prioridade ao assunto diante da escalada dos preços mundiais de alimentos. O objetivo principal é aumentar a regulação sobre o mercado de derivativos, onde são negociados contratos vinculados a commodities, para dar mais transparência ao setor e permitir a atuação de supervisores para desmontar excessos. Uma autoridade do governo brasileiro informou ontem que o Brasil apoia as discussões sobre as commodities, sobretudo o exame de como a alta liquidez internacional afeta esse mercado. Lagarde disse ontem que não é intenção criar limites para os preços.