Título: Parlamentares catarinenses intermedeiam negócios com a China
Autor: Pitthan , Júlia
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2011, Política, p. A10

A China recebeu, em 2010, US$ 270,6 milhões em produtos que deixaram o Brasil pelos portos catarinenses, um volume que representou crescimento de 145% em relação ao ano anterior. Esse importante parceiro comercial - e um mercado de inquestionável valor -, tem recebido atenção especial dos parlamentares de Santa Catarina. Em março, um grupo de três deputados estaduais embarcou em viagem à China e Coreia do Sul para estabelecer relações diplomáticas e atrair investimentos para o Estado.

No grupo, o deputado Jailson Lima (PT) se destaca como um recordista de viagens à China. O parlamentar diz que já foi cinco vezes ao país - uma delas com recursos particulares. Jailson é também sócio com uma cota de R$ 200 mil na empresa ATL - Asian Trade Link, segundo declaração patrimonial informada à Justiça Eleitoral. A companhia, segundo informações que constam no site, é uma "empresa comercial importadora- exportadora (trading company) focada nas oportunidades comerciais entre o Brasil e a China".

O petista nega conflito de interesses entre as viagens realizadas por ele e a sociedade na ATL. Em março, chegou a usar a tribuna da Assembleia Legislativa para prestar contas das suas cinco viagens oficiais à China. Na fala, disse que o objetivo foi prospectar novos negócios para o Estado.

Ao Valor, Jailson disse que a presença de um representante do governo, seja ele do Executivo ou do Legislativo, é fundamental para o bom andamento dos negócios. "Você tem que transcender os horizontes, se não você não enxerga o que tem atrás da porta. O conceito de atividade legislativa tem de ser plural, quem disse que o conceito de atividade parlamentar é só legislar?", respondeu, ao ser perguntado sobre a possibilidade de haver conflito de interesses.

A Constituição de Santa Catarina não limita a participação de deputados estaduais como sócios em empresas privadas, a menos que estas mantenham contratos com pessoas jurídicas de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público.

Em seu gabinete como segundo vice-presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Jailson coleciona prospectos de empresas chinesas e cópias de protocolos de intenções assinados com representantes de estatais de lá. O mais importante deles, um protocolo assinado em dezembro de 2010, prevê US$ 3,39 bilhões em investimentos da CJ Globe em Santa Catarina.

Segundo Jailson, a empresa teria interesse em investir recursos em empreendimentos de matriz energética limpa. Hidrelétricas, parques de geração de energia eólica e solar estão no projeto da empresa. Uma missão de empresários representando a CJ Globe deveria ter chegado na primeira semana de abril a Santa Catarina, mas a empresa adiou os planos por 90 dias para prestar auxílio aos colaboradores atingidos pelo terremoto do Japão.

Na semana passada, Jailson recebeu com o presidente da Alesc, Gelson Merísio (DEM), a visita dos executivos Cheng Kong e Zhen Yang, representantes da estatal chinesa Beijin XJ Energy Techonology. A recepção foi um retorno da última missão parlamentar ao Oriente, realizada em março. A expectativa dos empresários era dimensionar a capacidade de investimento na geração de energia limpa em SC. A XJ Energy tem grande experiência na área, com 70 mil empregados e forte atuação na produção de energia eólica, solar e biomassa, com um faturamento anual de mais de US$ 1, 8 bilhão.

O deputado conta que os seus primeiros contatos com a China começaram a partir das relações no PT. Desde a primeira viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país, em 2004, o PC chinês passou a ter relações institucionais estreitas com o Partido dos Trabalhadores. No Estado, um convênio com a província de Henan - que tem uma população de mais de 100 milhões de pessoas e grande produtor de grãos - foi firmado ainda no governo de Espiridião Amin (PP) e abriu o caminho até os chineses.

A missão chamou a atenção da imprensa local, que demandou informações mais detalhadas dos gastos e dos objetivos das viagens internacionais. Como reflexo, o presidente da Alesc, Gelson Merísio (DEM), decidiu institucionalizar as missões ao Oriente. Quer que pelo menos uma vez por ano deputados catarinenses embarquem para a China para atrair investimentos ao Estado.

A próxima viagem, organizada pelo departamento de Relações Institucionais da Casa, deve acontecer em outubro. "Queremos ser protagonistas em algumas ações. Santa Catarina é um Estado pequeno. Ele não pode competir com São Paulo do ponto de vista da produção industrial com o Centro-Oeste na produção de alimentos, mas pode competir na eficiência, na logística na atração destes investimentos", disse Merísio.

O empresário diz que na China a presença do governo é emblemática e significativa. "Nós temos relações institucionais. Não vamos fazer negócios, quem faz negócios são os empresários", defende.

No fim de março, executivos da Zhejiang Junlihua Eletronic, de Xangai, estiveram no Estado. Eles se reuniram com o presidente das Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc) e com representantes do governo estadual. A empresa pretende investir cerca de R$ 30 milhões em uma unidade de fabricação de isoladores de vidro para o setor de energia.

A Zhejiang venceu licitação, em 2010, para venda de isoladores de vidro à Celesc. Para a companhia, também é interessante ter empresas fornecedoras instaladas no Estado para barganhar preços.

No norte do Estado, a Hopeful Investment & Holding deve aportar investimentos para a construção de dois berços privados, próximos ao Porto de São Francisco do Sul. O terminal, instalado em uma área de 14 metros de profundidade de atracação, terá capacidade para movimentar 3 milhões de toneladas por ano ou 6 mil toneladas por hora. O foco será a exportação e importação de soja a granel.

Segundo Alberto Raposo, empresário responsável pelo projeto e que participou da última missão dos deputados à China, a Hopeful terá 20% do capital total da empresa, que também tem a participação da BRZ Investimentos, com 50%. A Sagah, empresa criada por investidores locais, detém o restante do capital.

O empreendimento já tem licença prévia e aguarda a licença de instalação ainda para este ano. Em 2010, o porto de São Francisco do Sul movimentou 9.618.055 toneladas entre o terminal público e o privado, um crescimento de 27% em relação ao ano anterior. O terminal é um dos principais do país em movimentação de aço em função das atividades de uma unidade da ArcelorMittal Vega do Sul na cidade. A Bunge também detém estrutura portuária na cidade.