Título: O PSDB procura redefinir os rumos das oposições
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2011, Opinião, p. A10

Um barulho exagerado causou o texto "O papel da oposição", do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele toca em um tema sensível - o lento caminhar das oposições para a irrelevância. O apelo de Fernando Henrique, entre irado e aflito, é uma tentativa de ampliar os horizontes de seu partido, o PSDB, para uma luta política extremamente difícil. É um chamado oportuno para uma legenda que já perdeu três vezes a corrida presidencial e um desafio lançado à autossuficiente intelectualidade tucana. Mas as respostas esboçadas nem sempre estão à altura das dificuldades que se propõem superar, o diagnóstico exclui em parte uma autocrítica relevante e não escapa por vezes do maniqueísmo.

A frase que mais atenção e polêmica causou - a que prega a necessidade de evitar a disputa com o PT, já perdida, nos "movimentos sociais" ou "povão" - é o centro do reexame de rumos proposto por Fernando Henrique. De repente, as dificuldades para as oposições tornaram-se enormes porque houve no país, segundo o autor, o "triunfo do capitalismo" e a "adesão progressiva - no começo envergonhada e por fim mais deslavada - do petismo lulista à nova ordem e a suas ideologias". Um terceiro ingrediente foi o "efeito dissolvente que o carisma de Lula produziu nas instituições".

FHC estende seu diagnóstico ao Congresso, que perdeu sua "força político-transformadora" por dois motivos. Um, a transformação dos partidos em "clubes congressuais". Outro, o fato de que "muitos parlamentares trocaram o exercício do poder no Congresso por um prato de lentilhas". Os dois fatores são relevantes, mas não novos. Desde a redemocratização, se não antes, é assim. O ex-presidente teve como aliado preferencial de seu governo o então PFL, um rebento da ditadura que só sobreviveria agarrado ao poder e que não se contentava só com um prato de lentilhas. Seu herdeiro, o DEM, definha.

O PSDB foi batido pelo único partido de massas no país. Nunca teve o seu forte na mobilização popular. Um passo teórico lógico, dado por Fernando Henrique, foi buscar novos atores que não as "massas carentes e pouco informadas". Entre os movimentos sociais cooptados pelo PT estariam as centrais sindicais e os movimentos organizados da sociedade civil, atraídos por "benesses e recursos". Essa visão reducionista evita aprofundar as razões mais profundas de tão generalizada cooptação. Pode ter havido a concordância ideológica com o governo petista, o apoio a iniciativas petistas consideradas relevantes, interesses materiais e até a provável repulsa a oito anos de governo do PSDB. O PT estendeu e aprofundou os programas sociais esboçados pelo governo FHC e, sem dúvida, ampliou seu eleitorado tendo como garantia a maior e inestimável herança tucana - o fim da era inflacionária.

A quem falar então, se o atual partido no poder mudou e assumiu as bandeiras tucanas que condenava? Para FHC, "existe toda uma gama de classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de novo tipo e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas ligadas à tecnologia da informação e ao entretenimento, aos novos serviços espalhados pelo Brasil afora, às quais se soma o que vem sendo chamado sem muita precisão de "classe C" ou de nova classe média".

O ex-presidente foi feliz em definir, assim, aquele que já é o eleitorado tucano - e não é pouca gente. José Serra obteve 43,7 milhões de votos e o PSDB conquistou três dos mais ricos Estados do país: São Paulo, Minas e Paraná. Resta a nova classe C. Mas os meios sugeridos para atingir esse público parecem acanhados diante da magnitude da tarefa política visada. FHC propõe que as oposições caiam na internet e nas redes sociais, se organizem nos "meios eletrônicos", "voltem às salas de aulas", procurem "organizações de bairro, um sem-número de grupos musicais e culturais nas periferias das grandes cidades, etc". A surpresa é que isso não tenha sido feito até agora. A mensagem que o PSDB levará, além de suas conhecidas posições liberais, inclui a "clara defesa de uma sociedade democrática comprometida com causas universais, como os direitos humanos e a luta contra a opressão, mesmo quando esta vem mascarada de progressismo, apoiada em políticas de distribuição de rendas e de identificação das massas com o Chefe". É unilateral demais - fim da opressão e respeito aos direitos humanos foram bandeiras de luta contra a ditadura. Aplicá-las a governos petistas não é plausível.

Fernando Henrique instigou a imprescindível busca de novos rumos pela oposição. Pelo visto, ela apenas começa - será uma longa caminhada.