Título: Washington desafia endividamento
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Fonte: Valor Econômico, 19/04/2011, Finanças, p. C7

Peter Coy | Bloombergbusinessweek Suponhamos que o Congresso dos Estados Unidos não consiga elevar o teto de endividamento nacional antes de o governo federal americano alcançar o limite atual de US$ 14,294 trilhões, o que ocorrerá, pelas previsões, por volta de 16 de maio. O quanto isso seria mau? O secretário do Tesouro dos EUA, Timothy F. Geithner, que ganha para se preocupar com esse tipo de coisa, diz que dispõe de algumas medidas de emergência. O Departamento do Tesouro poderia manter o governo em funcionamento por dois meses, aproximadamente - por meio, por exemplo, da tomada de empréstimos junto ao Civil Service Retirement e Disability Fund, o instituto de previdência dos servidores americanos, em vez de recorrer a investidores particulares.

Até o início de agosto, no entanto, o Departamento do Tesouro estará em condição comparável à de um mutuário encurralado que tem de decidir que contas vai pagar e que outras porá na gaveta. Os EUA começarão a descumprir os pagamentos de algumas notas e bônus do Tesouro à medida que forem vencendo, portanto os credores exigirão taxas de juros mais elevadas para os novos bônus, como fizeram com a Grécia e outros países altamente endividados. Alguns fundos de pensão e empresas de seguros que são enormes detentores de títulos do Tesouro dos EUA terão de livrar-se deles em massa porque são proibidos de possuir papéis de instituições inadimplentes. O pânico resultante dessa operação puxaria as taxas ainda mais para cima - embora ninguém possa dizer precisamente a que altura chegariam, já que esse tipo de coisa nunca aconteceu. "Ameaçar não elevar o teto de endividamento não é apenas brincar com fogo", diz Robert A. Brusca, economista-chefe da consultoria Fact and Opinion Economics, de Nova York. "É brincar com fogo numa fábrica de dinamite."

Destruir a plena credibilidade e crédito dos Estados Unidos da América não é questão de pouca importância - o que torna ainda mais assustador o fato de tantos americanos quererem ver isso acontecer. Quarenta e seis por cento dos pesquisados em do Wall Street Journal/NBC News realizada de 31 de março a 4 de abril disseram ser contrários à elevação do teto de endividamento. Os entrevistadores fizeram a pergunta de novo depois de reproduzir os dois lados do argumento: alguns disseram que, se o teto não for elevado, as contas, benefícios, salários da administração governamental e os juros não serão pagos. Outros disseram que elevar o teto "vai dificultar a tarefa de pôr a casa em ordem para o governo", aumentando os títulos mantidos por outros países e devidos por gerações futuras de americanos. Depois de examinar essas duas alternativas, a oposição da opinião pública à elevação do teto de endividamento aumentou, para 62%.

Essa atitude de "botar para quebrar" está encorajando os membros do Congresso, que estão se preparando para deixar as negociações de teto de endividamento até o último momento possível, na esperança de arrancar o maior ganho possível. O líder da maioria na Câmara dos Deputados, o republicano Eric Cantor, de Virgínia, disse no último dia 12 que seria "irresponsável" elevar o teto de endividamento sem limites garantidos sobre a expansão dos gastos. Cantor pode estar se preparando para o malabarismo político; outros parecem convidar para uma colisão frontal. O senador Marco Rubio, republicano pela Flórida, disse num editorial do Wall Street Journal a 30 de março que elevar o teto de endividamento não seria "mais do que adiar as decisões difíceis para depois das próximas eleições. Não podemos nos dar ao luxo de continuar esperando."

É nauseante presenciar essa postura antiendividamento de alguns dos próprios parlamentares que criaram o endividamento desde o início, ao votar por aumentos dos gastos e reduções dos impostos. O presidente Barack Obama não está isento de culpa: ele votou contra a elevação do teto quando era senador, porque era George W. Bush que tinha de tomar a decisão naquela época.

Apesar dessa postura, o teto de endividamento desempenha um papel valioso no processo político do país. O limite imposto pelo Congresso é um substituto útil do teto real - aquele que, mais cedo ou mais tarde, será imposto pelos credores do país. Em algum momento eles vão ficar fartos do crescente endividamento dos EUA e dirão "chega". Ninguém sabe quantos gastos deficitários os EUA podem se permitir antes de alcançar esse teto intransponível, que não pode ser elevado por uma simples votação na Câmara dos Deputados e no Senado. Evidentemente, os EUA ainda estão bem abaixo dele. Os investidores mundiais estão dando demonstração da confiança na capacidade de pagamento dos EUA ao comprar bônus do Tesouro de 10 anos, protegidos contra a inflação, que rendem apenas 0,8% ao ano. É mais barato custear o endividamento agora do que durante os anos de superávit público do governo Clinton. Mas os vigilantes dos bônus podem se enfurecer num piscar de olhos - basta conferir o caso da Grécia, que viu seu custo de tomada de empréstimo de 10 anos duplicar para quase 13% nos últimos doze meses.

Por mais ridículo que pareça às vezes, a briga em torno da elevação do teto de endividamento imposto pelo Congresso dá aos EUA uma prenoção de como seria afrontar o limite real. Sancionar um teto de endividamento, a exemplo de estar no patíbulo com a corda no pescoço, concentra o pensamento maravilhosamente. Trata-se de um mecanismo de força artificial. Soluções de compromisso são alcançadas apenas quando os EUA se encaminham diretamente para a beira da inadimplência. Na cultura disfuncional de Washington, o teto desempenha o papel de um progenitor severo. Os japoneses têm uma palavra para isso: gaiatsu, que significa pressão externa.

O problema é que, na ausência de liderança política, o limite de endividamento se torna uma metralhadora giratória em vez de uma alavanca. Num clima político de dissenso, povoado de ideólogos, há o risco real de que os EUA ficarem inadimplentes devido à paralisia dos membros que manterão suas posições, por princípio, até o fim. Um dos combatentes que não mostraram a menor vontade de ceder para negociar uma solução de compromisso é o parlamentar republicano Paul C. Broun, da Geórgia, um médico conservador que votou contra a resolução de 8 de abril de evitar um fechamento do governo federal americano por não ter reduzido suficientemente os gastos. Broun acusou reiteiradamente o presidente Obama de tentar uma "tomada de controle socialista" do país.

Nunca houve melhor hora para cabeças mais frias se apresentarem e assumir a liderança. As linhas gerais do que precisa ser feito são óbvias. Em primeiro lugar, não se deixe dispersar pelo atual déficit público de curto prazo, que vai desaparecer, em grande medida, à medida que o país se recupera da profunda recessão de 2007-09. Cortes drásticos agora desacelerariam essa recuperação. O problema no qual é preciso se concentrar é o déficit público de longo prazo, cujo crescimento, num ritmo alarmante, está projetado depois de 2020, principalmente devido à alta dos gastos em direitos, principalmente aos sistemas Medicare e Medicaid, diante do envelhecimento e da maior necessidade de cuidados médicos da geração do "baby-boom" do pós-guerra (atualmente na faixa dos 57 aos 65 anos). Com o "cenário fiscal alternativo" do Departamento de Orçamento do Congresso americano - que é, na verdade, o curso mais provável, a menos que Washington passe a levar a sério a redução do déficit -, a dívida federal em poder do público triplica para 185% do PIB até 2035, em relação aos 62% do ano passado.