Título: Governo ignora pesquisa de audiência e canaliza verba para TVs amigáveis
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2011, Internacional, p. A9
Um mercado de publicidade que movimenta 4,8 bilhões de pesos (US$ 1,2 bilhão) por ano em anúncios de TV está por trás das acusações do governo argentino ao Ibope. Como em qualquer lugar do mundo, os anunciantes tendem a escolher as emissoras mais vistas para difundir seus produtos. Em 2010, pela primeira vez em mais de uma década, o Canal Trece superou a Telefé na liderança pela audiência. E o Trece pertence ao Grupo Clarín, arqui-inimigo do governo desde a crise política com os ruralistas, há três anos.
Apesar disso, a divisão da publicidade oficial coincide cada vez com a preferência dos telespectadores. Um levantamento recente do jornal "La Nación" mostra que o governo reduziu de 41,7 milhões para 5 milhões de pesos, comparando os dez primeiros meses de 2009 e de 2010, seus anúncios na emissora do Clarín. Pior ainda: os gastos da Casa Rosada em publicidade no Canal 9, que tem programas de debate político bastante dóceis à presidente Cristina Kirchner, equivaleram à soma dos anúncios oficiais em todos os demais canais da TV aberta na Argentina.
O Canal 7, como é conhecida a TV pública, atingiu média de 2,9 pontos na audiência medida pelo Ibope. Recebeu 4,5 milhões de pesos em publicidade do governo, mas esse número engana. Na temporada 2009/2010 do futebol argentino, a Casa Rosada gastou US$ 150 milhões para levar à TV pública os jogos das 20 equipes que disputam a primeira divisão. No início deste ano, a "estatização" do futebol chegou também à segunda divisão, mas o governo não consegue recuperar nem minimamente - com anúncios e patrocínios - o dinheiro gasto nas transmissões.
Apesar do apelo do esporte, a audiência do Canal 7 não disparou - muito menos foi absorvida pelo programa de debate político que a emissora geralmente põe no ar logo após as partidas. Um dos programas mais polêmicos da televisão argentina, o "6, 7, 8" costuma servir de palanque para comentaristas abertamente ligados ao kirchnerismo - jornalistas, políticos e autoridades - defenderem políticas públicas e atacarem a mídia.
Dosando cuidadosamente as críticas ao governo argentino, o CEO do Ibope Media, Flávio Ferrari, vê na baixa audiência da TV pública um dos motivos para a criação de um índice oficial. "Tenho mais a sensação de que a motivação original não seja manipular o número, mas de que alguém do governo não acredite que sua emissora preferida tem níveis de audiência que não os desejados", afirmou. "Talvez algum político não tenha ficado satisfeito com o fato de que os canais em primeiro lugar não são simpáticos ao governo. Não tenho como julgar nada. Mas sou obrigado, como profissional do mercado, a considerar uma tentativa de fazer ou justificar uma redistribuição da verba publicitária."