Título: Argentina ataca Ibope e cria órgão de medição para TV
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2011, Internacional, p. A9

No Brasil e em boa parte dos outros 14 países onde atua, o Ibope virou sinônimo de prestígio e sucesso, como atesta o verbete já incorporado a dicionários da língua portuguesa. Mas a empresa já foi várias vezes alvo de críticas. De certo modo, a polêmica acompanha a história dessa multinacional brasileira, fundada em 1942 e hoje dona de um faturamento anual de US$ 300 milhões, com pesquisas eleitorais e medição de audiência.

Mas agora, pela primeira vez, o governo de um país decidiu atacar publicamente o Ibope, desconfiado de suas medições, e construir um sistema estatal para saber o que as pessoas estão vendo na TV. Curiosamente, esse país é a Argentina, onde ninguém mais acredita no instituto oficial de estatísticas e o governo divulga uma taxa de inflação inferior a metade da apontada por consultorias privadas.

O novo índice de audiência televisiva ficará a cargo da Afsca, a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, ligada à Casa Rosada. Ela acusa o Ibope de "práticas monopólicas" e de "falta de transparência". A entidade está comprando quatro mil "people-meters", aparelhos que são instalados nas TVs para acompanhar a troca de canais pelos telespectadores, em tempo real. Um conselho de universidades federais supervisionará a implantação do índice.

"Faremos um processo em duas etapas", disse ao Valor o diretor de supervisão e avaliação da Afsca, Gustavo Bulla. A primeira, segundo ele, funcionará em julho com dois mil aparelhos que medirão a audiência na região metropolitana de Buenos Aires. A segunda, até o fim do ano, envolverá outros dois mil aparelhos nas capitais do interior com um milhão de habitantes ou mais, como Córdoba, Rosário e Mendoza. "O sistema será auditado pelas universidades e seus resultados serão de acesso livre e gratuito. Não haverá a necessidade de assinatura."

Para o diretor da Afsca, o novo índice refletirá melhor a audiência do Canal 7, como é conhecida a TV pública na Argentina. "O Canal 7 é um dos mais maltratados pelas medições do Ibope. Qualquer um vê que sua influência maior está no interior do país, o que hoje não é devidamente quantificado."

Num processo contra o Ibope que tramita na Comissão Nacional de Defesa da Concorrência, por suposta manipulação de números, esse argumento já havia surgido. O presidente da TV pública, Tristán Bauer, anexou ao processo uma carta na qual diz que a audiência da emissora atingiu, no horário nobre, 16,5 pontos em janeiro - três vezes o que indica o Ibope. Para isso, valeu-se de dados apurados pela consultoria Aresco, contratada para fazer a medição telefônica de audiência por meio de 3.200 ligações entre 20h e meia-noite.

Na carta, Bauer cita uma série transmitida em horário nobre pelo Canal 7 e a existência de um grupo no Facebook com 113.638 fãs. "A grande repercussão do programa nas diversas redes sociais confirma que ele tinha uma grande quantidade de adeptos", escreveu.

Bulla acredita que o novo índice afetará a divisão do bolo publicitário, mas avalia que a iniciativa não deve ser entendida pelo aspecto econômico ou comercial. "O pior dano causado por uma medição inadequada é a ausência de riscos criativos, pelo temor de que um programa não seja viável. Isso alimenta um fenômeno mundial: a TV ficou muito repetitiva. E afeta principalmente a televisão aberta, que se financia pela publicidade."