Título: Buraco comemora quatro meses entre Goiânia e Brasília
Autor: Borges , André
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2011, Especial, p. A16

Estudos ambientais deficientes, situação de alta complexidade de engenharia, péssimas condições meteorológicas, infortúnio. Por mais longa que seja a lista de argumentos, as explicações parecem não dar conta de justificar porque, até agora, o país que vai sediar a Copa do Mundo ainda não conseguiu fechar um buraco que, em dezembro do ano passado, rasgou ao meio a BR-060, rodovia federal que liga Brasília a Goiânia.

A cratera que brotou no pequeno município de Alexânia, e desde então complica o fluxo de um importante corredor logístico do país, faz aniversário hoje: são quatro meses.

O Valor visitou o local e tentou falar com os funcionários da MJ Construtora, contratada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para tapar o buraco. Todos evitam conceder entrevista. Uma pessoa que acompanha as obras de perto conversou com a reportagem, sob condição de não se identificar. O surgimento da cratera, segundo essa pessoa, foi resultado de uma situação geológica não identificada durante a fase de estudos de solo para a construção da estrada.

As análises preliminares costumam se limitar a avaliar uma profundidade de dois a três metros de solo para depois despejar o asfalto. Ali havia uma imensa lagoa subterrânea a 18 metros de profundidade, mas nada foi constatado.

A água tem sido drenada. Fincados na ribanceira, dezenas de canos jorram sem parar. Dentro da cratera, um rolo compressor é usado para compactar o barro que vai devolver a altura original à estrada. Um trator espalha a lama úmida. O trabalho é lento. Segundo os operários, tudo seria mais rápido se as chuvas tivessem dado uma trégua. "Choveu muito até duas semanas atrás", diz a fonte. "Complica a situação, porque a gente tem que esperar o barro todo secar. Só depois é que ele pode ser espalhado e prensado com o rolo."

No canteiro de obras, ninguém fala em atraso. Poucos dias após o incidente, o governo informou que a obra ficaria pronta em até seis meses. Quem observa a situação atual, acha pouco provável que a estrada volte ao normal nos dois meses restantes, mas a fonte ouvida pelo Valor garante que, até início de junho, o tráfego na BR-060 estará fluindo normalmente.

"Quero só ver", diz Sérgio Gabardo, proprietário da Gabardo Transporte, empresa de logística. "Esse é só mais um exemplo do descaso com que as obras de rodovias são tratadas no país." A empresa, que tem sede em Porto Alegre, foi contratada pela coreana Hyundai para transportar carros da montadora produzidos em Anápolis. Todos os dias, 150 caminhões da Gabardo saem da cidade, a 50 quilômetros do buraco, e cruzam a BR-060 para entregar automóveis pelo país.

O desvio construído no local para que o trânsito continue a fluir nos dois sentidos, diz Gabardo, virou um pesadelo para os motoristas da empresa, que se envolveram em várias colisões. "Temos casos de motoristas que foram assaltados, porque é preciso reduzir muito a velocidade no local. Até cuia e bomba de chimarrão já foram roubadas", conta. A Polícia Rodoviária Federal confirmou a ocorrência de colisões no trecho, mas não informou o número de casos.

No mês passado, o clima no canteiro de obras de Alexânia ficou tenso, depois que foram divulgadas imagens da reconstrução de uma estrada destruída pelo terremoto que atingiu o Japão. Em apenas seis dias, os japoneses reconstruíram 150 metros de rodovia. A comparação pode até ter soado como provocação, diz José Hélio Fernandes, presidente da Federação Interestadual das Empresas de Transporte de Carga e membro do conselho fiscal da CNT, mas foi simplesmente inevitável.

"Tudo bem que aqui as condições da estrada são diferentes, sabemos que há problemas com as nascentes de água, o clima. Mas vamos lembrar também que lá um país inteiro veio abaixo. Sinceramente, seis meses é tempo demais", diz o empresário.

Na pequena Alexânia, de 20 mil habitantes, o clima é de apreensão. A prefeita da cidade, Maria Aparecida Gomes (PSDB), mais conhecida como Cida do Gelo, diz que atualmente o tráfego tem fluido bem na região, mas a situação fica caótica nos feriados. A preocupação da prefeita se concentra, em boa medida, em manter o bom humor da Schincariol, que tem uma fábrica de cerveja e água mineral a cinco quilômetros da cratera.

A empresa, que responde por mais da metade do ICMS coletado pelo município, depende da rodovia para transportar insumos e bebidas. Por meio de nota, a Schincariol informou que o desvio na rodovia tem atendido suas necessidades de acesso, mas que "a empresa manifesta sua preocupação para que a situação seja regularizada com brevidade".

A MJ Construtora, que foi contratada em regime de urgência (sem licitação) por R$ 10 milhões para tapar o buraco da BR-060, informou que apenas o Dnit estava autorizado a dar informações sobro o andamento da obra. Procurado, o Dnit não retornou ao pedido de entrevista até o fechamento desta edição.

Com 171 quilômetros ligando Goiânia a Brasília, a BR-060 teve suas obras de duplicação iniciadas 30 anos atrás. Rebatizada de rodovia Governador Henrique Santillo, a estrada só foi totalmente entregue em 2009, com custo total de R$ 265 milhões.

Na semana passada, no local do buraco, uma nova rachadura apareceu na única pista de asfalto que permanece aberta ao tráfego, rente à cratera. A rachadura fez que o trecho fosse interditado e o desvio foi usado para os dois sentidos do tráfego, liberando 30 minutos de circulação para cada lado. O resultado foi um congestionamento com filas de até cinco quilômetros.

O buraco de Alexânia, que já consumiu 250 metros de extensão da BR-060, deverá ser enchido com aproximadamente 100 mil metros cúbicos de terra, pedra, concreto e asfalto. Em Alexânia, já se diz que o lugar virou atração turística. Quem passa por lá faz questão de dar uma espiada.