Título: Al Qaeda adaptou-se a operar sem seu líder e seguirá sendo ameaça
Autor: Ribeiro , Alex
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2011, Internacional, p. A10

Muito antes da morte de Osama Bin Laden, a Al Qaeda já tinha se adaptado para sobreviver e operar sem ele e garantir que a ameaça criada pela rede terrorista que ele criou viverá muito além de sua morte.

Bin Laden passou a última década foragido após os ataques organizados pela Al Qaeda contra os Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. Mas o status de fugitivo do líder da Al Qaeda não neutralizou o poderio da rede.

Em vez disso, forçou uma evolução: o grupo original se fragmentou e ressurgiu em novos lugares com novos líderes que, além de tentar novos ataques complexos e de grande visibilidade, encorajou seus radicais seguidores a atacarem por conta própria quando surgisse a oportunidade certa.

A consequência disso é que existem grupos derivados da Al Qaeda não apenas em locais considerados perigosos como Iêmen, Somália e Indonésia, mas cada vez mais em locais distantes como Suécia e Noruega, que tradicionalmente não estavam no radar da Al Qaeda. Líderes desses grupos consideram Bin Laden um guru filosófico e religioso, mas operam há anos de forma independente do seu controle.

Houve nos últimos anos uma "rápida descentralização das operações da Al Qaeda", disse Toby Feakin, diretor de segurança nacional do centro de pesquisas sobre defesa Royal United Services Institute, de Londres. Embora "tenha se encerrado um capítulo" para a Al Qaeda com a morte de Bin Laden, disse, a história ainda está longe de acabar.

O legado de Bin Laden é grande demais para ser apagado rapidamente. Seu grupo terrorista tinha menos de 200 integrantes antes dos atentados de 11 de setembro, mas hoje é vasto e em muitas maneiras mais abrangente do que antes de os EUA começarem a tentar destruí-lo.

Bin Laden e sua cúpula abandonaram o Afeganistão ainda em 2001, depois da queda do Talibã, e muitos dos principais integrantes do alto comando foram presos ou mortos depois da invasão americana. Khalid Sheikh Mohammed, principal arquiteto dos atentados de 11 de setembro, foi capturado em 2003 e hoje é prisioneiro em Guantánamo. O comandante militar da Al Qaeda, Mohammed Atef, foi morto por um ataque com míssil em Cabul, em novembro de 2001. O principal fabricante de bombas, Abu Khabab al-Masri, morreu em outro ataque de míssil, no Paquistão, em 2008.

Enquanto a velha guarda de integrantes leais da Al Qaeda era dizimada, Bin Laden e Ayman al-Zawahri, seu braço direito, ficaram cada vez mais isolados e com dificuldades para realizar planos de larga escala. Mas sua ausência só serviu para difundir as operações terroristas para uma variedade ampla de grupos e indivíduos que levaram adiante a missão no Oriente Médio, na África, no sudeste asiático e na Europa.

O grupo mais potente e ativo a surgir dessa fragmentação é a Al Qaeda na Península Árabe, conhecida pela sigla em inglês AQAP e liderada por Nasser al-Wuhayshi, ex-secretário de Bin Laden no Afeganistão que escapou para o Irã, foi preso e depois extraditado para o Iêmen em 2003. Ele conseguiu escapar da cadeia em 2006 e, em 2009, dirigiu a fusão entre os braços sauditas e iemenitas da rede.

Mais do que qualquer grupo, a AQAP funciona como elemento aglutinador dos braços da Al Qaeda em outras regiões. Wuhayshi é ajudado nisso por Anwar Al-Awlaki, um clérigo radical nascido nos EUA que conquistou seguidores com sermões na internet e se tornou agora um importante recrutador de novos membros.

Acredita-se que Awlaki, por exemplo, se reuniu com Umar Farouk Abdulmutallab, o nigeriano que estudou no Iêmen antes de tentar explodir um avião de passageiros que rumava para os EUA no Natal de 2009. O alcance do clérigo já chega a lugares como o Reino Unido, onde um júri condenou um ex-engenheiro de software da British Airways PLC por conspirar com Awlaki para usar seu emprego para praticar atos terroristas.

Os novos líderes da Al Qaeda no Iêmen até já ultrapassaram o guru, adaptando a mensagem para o público ocidental. A AQAP usa muito bem a tecnologia para atingir esse objetivo. Publica uma revista on-line em inglês chamada "Inspire" - parte fanzine, parte ferramenta de recrutamento, oferece conselhos e instruções para interessados em se tornar homens-bomba.

A mensagem subliminar da AQAP é que os novos recrutas não precisam mais buscar treinamento militar no Paquistão ou no Iêmen para conseguir uma vitória contra o "inimigo distante", frase usada pela Al Qaeda para descrever os EUA e outros países ocidentais. Os convertidos à causa, já radicalizados, não precisam mais pedir autorização da liderança para agir. Uma mulher britânica que a polícia afirma ter sido influenciada por Awlaki foi condenada ano passado por esfaquear um político inglês importante.

Na África, a Al Qaeda e seus filiados encontraram refúgio nos rincões sem lei do continente - da Somália, no leste, até o Mali, no oeste. As células aparentam pouca ligação, mas às vezes serviram para fornecer vislumbres ominosos do que podem ser capazes de fazer - como o ataque fracassado do nigeriano, Abdulmutallab, e os três atentados suicidas realizados em julho do ano passado contra restaurantes na capital de Uganda, Kampala, enquanto os clientes assistiam aos jogos da Copa do Mundo.

Entre esses grupos está o argelino Al Qaeda no Magreb Islâmico, que já foi relacionado a vários assassinatos e sequestros de ocidentais nos últimos anos. Autoridades de segurança da Nigéria dizem que vários integrantes de uma seita islâmica radical conhecida como Boko Haram, no norte do país, já receberam treinamento em campos terroristas argelinos e que a vasta e pobre região continua a ser um terreno fértil para grupos como o Magreb Islâmico recrutarem novos integrantes.

O Al Shabaab, grupo terrorista da Somália ligado à Al Qaeda, assumiu a responsabilidade pelos atentados suicidas em Kampala, que mataram mais de 80 pessoas.

Militantes estrangeiros de países relativamente distantes como Afeganistão e Paquistão têm entrado na Somália nos últimos anos e se unido aos combatentes locais para tentar derrubar o governo do país, que tem apoio do ocidente.

No sudeste da Ásia, veteranos das operações afegãs da Al Qaeda ajudaram a criar franquias em lugares como a Indonésia. Enquanto o tempo passava, esses diferentes grupos se tornaram cada vez mais autônomos e passaram a operar com recursos mínimos ou obtendo fundos de simpatizantes, de maneira independente da liderança da Al Qaeda. Isso aumentou a eficiência desses grupos, dizem analistas e autoridades de segurança.

"Ficou mais e mais difícil acompanhar os planos desses militantes porque, com o tempo, eles começaram a operar em células menores", diz uma autoridade regional de segurança.

Diante do reforço na segurança, os grupos começaram recentemente a evitar ataques de larga escala - como os atentados de 2002 a boates em Báli, que mataram 202 pessoas - e se concentrar em alvos menores, como hotéis e embaixadas de países ricos. Analistas de segurança disseram recentemente que militantes da Indonésia começaram a operar em grupos ainda menores ou de maneira independente para não atrair a atenção da polícia indonésia.