Título: Bin Laden não era prioridade de política externa
Autor: Ribeiro , Alex
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2011, Internacional, p. A11
Apesar de toda a importância da morte de Osama bin Laden, livrar-se do líder sanguinário da Al Qaeda não é o objetivo mais importante da política externa dos EUA. Não o era já há algum tempo, na verdade.
O problema da Al Qaeda, que há dez anos queimou a alma dos EUA de forma tão profunda, havia sido superado por três questões mais prementes: endireitar o Paquistão, endireitar a "primavera árabe" e conter o Irã.
Matar Osama bin Laden começa a fechar um capítulo horrível na história americana iniciado há dez anos, mas são esses três problemas os que se destacam para ser resolvidos nos próximos dez anos.
A questão-chave é, na verdade, se o EUA poderão usar sua morte como forma de conseguir mais força para abordar esses problemas mais contemporâneos.
Isso não significa minimizar a importância de obter o tipo de justiça que a morte de Bin Laden traz, como o presidente Barack Obama recordou ao país na noite de domingo. Para os americanos, ele era a personificação do mal e sua capacidade de esquivar-se do alcance de Washington, fonte de frustração e constrangimento. Em termos práticos, entretanto, sua morte é mais reveladora sobre até que ponto o problema Al Qaeda transformou-se em um problema Paquistão, ainda maior.
Bin Laden, embora fosse o homem mais procurado do mundo, vivia no coração do Paquistão, em segurança e com conforto. A questão-chave é se os líderes paquistaneses desconheciam seu paradeiro, preferiram não saber ou se foram cúmplices ao mantê-lo seguro. Todas as respostas possíveis são ruins para os interesses dos EUA.
A Al Qaeda continua uma força mortal, mas seus combatentes provavelmente somam centenas e seus postos avançados mais letais agora estão distantes de Bin Laden e sua toca.
O Paquistão, em contraste, é um país de 187 milhões de pessoas - sendo 35% com menos de 15 anos - que faz fronteira com a China, Índia, Irã e Afeganistão. É 95% muçulmano, com elementos islâmicos radicais virulentamente antiocidentais, que o governo não consegue controlar inteiramente. E possui armas nucleares e uma história de exportar a tecnologia para produzi-las.
As relações entre EUA e Paquistão estão morro abaixo e há alto risco de o episódio Bin Laden aumentar a raiva popular americana em relação ao Paquistão. As autoridades dos EUA, contudo, não podem se permitir que o antagonismo domine a relação.
A diferença entre uma Al Qaeda hostil aos interesses americanos e uma nação paquistanesa hostil a eles é como a diferença entre combater um caso de pneumonia e uma completa epidemia. Nenhuma opção é boa, mas uma é muito mais grave que a outra.
O segundo ponto imperativo para a política americana é endireitar a primavera árabe - e nesse front, o declínio da Al Qaeda e a morte de Bin Laden devem ser positivos.
Semanas após os levantes populares no mundo árabe terem começado na Tunísia e Egito, autoridades americanas e líderes moderados árabes esperam que os movimentos pró-democracia, independentemente de sua desorganização, minem a mensagem da Al Qaeda de que a única forma de mudar é por meio do terror. Para os jovens muçulmanos, talvez, Facebook e Twitter estejam superando a jihad.
Recente pesquisa do Global Attitudes Project, do Pew Research Center, mostra que a confiança em Bin Laden estava em forte declínio no mundo islâmico, variando de 22% no Egito a 1% entre os muçulmanos libaneses. Se no passado ele chegou a ser visto como a onda do futuro, o caso parecia já não ser esse na época de sua morte.
Portanto, é imperativo para os EUA agora descobrirem um jeito para ajudar a fomentar a onda pró-democracia no mundo árabe sem permitir o caos que abriria as portas para os extremistas islâmicos oferecerem sua versão de uma nova ordem.
Por fim, há a necessidade de conter o Irã. O movimento Al Qaeda, em grande parte sunita, e os revolucionários xiitas no Irã não são aliados naturais e não se lamentará muito por Bin Laden em Teerã.
Na verdade, os mulás iranianos vêm observando mais de perto o que acontece nos levantes populares na Síria e na Líbia.
E o perigo é de os líderes iranianos concluírem, como lição a ser aprendida com Síria e Líbia, que a forma de lidar com dissidentes é esmagá-los impiedosamente e que a forma de evitar uma intervenção militar ocidental como a que agora assola a Líbia é acabar de desenvolver uma arma nucelar.
O desafio para os EUA, por sua vez, é usar a morte de Bin Laden para apresentar o argumento oposto ao povo iraniano - que o tempo não está do lado do extremismo ou dos extremistas e que os EUA não perderam sua capacidade para pressionar os eventos na direção oposta.