Título: Novo rumo da política econômica divide opiniões
Autor: Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2011, Brasil, p. A3

De São Paulo A mudança de rota na política econômica, comandada pela presidente Dilma Rousseff há quinze dias, que coloca o combate à inflação como prioridade, dividiu economistas com passagens pelo governo federal em diferentes momentos. Aqueles mais próximos do mercado, com uma linha mais ortodoxa de pensamento econômico, receberam a notícia, publicada ontem no Valor, com entusiasmo, uma vez que, para eles, o combate à inflação passa, também, por um "leve freio" no ritmo da atividade. Já para aqueles que se inserem entre os de pensamento desenvolvimentista, o abandono, por parte da equipe econômica, de medidas alternativas à elevação mais incisiva dos juros básicos foi percebido como "arriscado".

Todos os economistas consultados pelo Valor afirmaram que o maior problema enfrentado pela equipe econômica é o risco de taxas mais altas de inflação produzirem um efeito em cascata na economia, que pode se alastrar por meio de reajustes salariais e mesmo por emissão de papéis privados no mercado financeiro com correção monetária. É a forma de combater esse risco, no entanto, que divide os especialistas.

Para um economista próximo ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e ao presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, a avaliação da presidente Dilma, de "reduzir" a importância do câmbio, deixando a inflação em primeiro plano, "não considera que o efeito dos juros no crédito é cada vez menor, que pode ser controlado de maneira mais eficaz por medidas tomadas na origem", isto é, apertando as condições de financiamento do sistema financeiro. "Nossos juros já são altos demais em um mundo de juro zero", diz, "e colocar mais pressão aí não me parece coerente". Além disso, o economista avalia estar "cedo demais" para abandonar a opção mista de combate à inflação por meio das medidas macroprudenciais adotadas pelo Banco Central (BC) e elevações "módicas" dos juros básicos.

Para um analista próximo a Alexandre Tombini, presidente do BC, a simples exposição recente deste - que, neste semana, deu longa entrevista à "Globonews" - e sua "tranquilidade" em falar sobre os juros na Comissão Mista de Orçamento, ontem, no Congresso, "indicam que a Dilma está dando mais força e liberdade ao BC". Isto, para o economista, indica que a "política monetária tradicional" - elevação de juros para deprimir a demanda e a atividade, de forma a reduzir o ímpeto de reajustes elevados de preços - voltou a nortear a política econômica.

Já para Gustavo Loyola, sócio-diretor da Tendências Consultoria e ex-presidente do Banco Central (1995-97), a mudança de rumo na política econômica demonstra que "finalmente caiu a ficha, no governo, que o maior risco que a presidente sofre, politicamente, é o descontrole inflacionário". Medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação já atinge 6,3% nos 12 meses terminados em março, e deve beirar 7% no terceiro trimestre - o BC persegue a meta de 4,5% ao ano, com margem de até dois pontos percentuais para cima (6,5%).

Segundo José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator e ex-assessor da equipe econômica nos governos de José Sarney (1985-1990) e da gestão de Marcílio Marques Moreira na Fazenda (1991-92), o mercado "tende a ficar surpreso" quando vê divergências entre integrantes do governo.

"Os contratos de juros e câmbio negociados no mercado respondem muito às declarações do presidente do BC, do ministro da Fazenda, do presidente do BNDES, e, claro, da presidente Dilma", diz Gonçalves, "mas é natural que todos tenham divergências pontuais quanto aos rumos da política econômica". "Se nos bancos, consultorias, universidades e mesmo nos jornais têm, por que é que no governo não poderia ter?", pergunta.

Para Gonçalves, no entanto, a recente coesão no discurso e na prática, envolvendo um novo direcionamento da política econômica, é importante. "Não há saída mágica para a valorização do câmbio e a trajetória da inflação. Tratam-se de problemas complexos, que precisam de opiniões divergentes para serem resolvidos. A China não vai desaparecer, nosso crescimento não vai cair muito, e as pessoas continuarão consumindo. Então é preciso lidar com a inflação em meio a uma discussão rica", diz.

De acordo com Loyola, a adoção de uma política "ativa" nos juros poderia ser atenuado já em 2012, com novos cortes. "Ver que há uma mudança de rumo, no entanto, é muito positivo. A era da mistura entre experimentalismo e tolerância parece ter acabado, o que é ótimo para quem defende uma economia com inflação baixa e sob controle", afirma.

Para um ex-diretor do BC, o foco na inflação, no entanto, vai durar até o momento em que as taxas mensais de inflação caírem - algo que, segundo estimativas do mercado, ocorrerá a partir deste mês. "A partir daí, a preocupação principal da equipe econômica voltará a ser o câmbio".