Título: O país está preparado para mais e maiores municípios?
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2011, Opinião, p. A12

Um aspecto ainda pouco analisado do conjunto muito interessante de dados do censo demográfico, divulgados na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e que merece uma reflexão cuidadosa, é o que retrata a situação das cidades brasileiras. Há que se estudar, por exemplo, os efeitos para o país e para as populações locais da criação de 58 municípios na década de 2000.

Conforme informou o IBGE, a maioria dos novos municípios foram estabelecidos nas regiões Sul e Centro-Oeste. A Região Sul teve um incremento de 29 municípios - curiosamente todos eles no Rio Grande do Sul -, enquanto no Centro-Oeste surgiram 20 novos municípios no período de 2000 a 2010, sendo 15 deles no Mato Grosso.

A história recente do país mostra que a criação de novos municípios tem resultado em mais casos de cidades problemáticas, com graves dificuldades para equacionar os desafios de fornecer educação, saúde e infraestrutura mínima para seus habitantes, do que exemplos de sucesso. Boa parte dos municípios formados recentemente o foram por razões políticas, sem que as cidades tivessem condições econômico-financeiras de se sustentar de forma independente. Na maior parte dos casos, se transformaram em municípios dependentes integralmente (ou quase isso) dos repasses do governo federal.

Em setembro de 2009, o repórter Cesar Felício, do Valor, relatou sua experiência na cidade de Mateiros, município tocantinense de 1,7 mil habitantes, encostado na Bahia, a 210 km de estradas de terra e areia do asfalto mais próximo. Mateiros tornou-se um município em 1993, junto com uma leva de emancipações que fez o então recém-criado Estado do Tocantins saltar de 62 para 139 cidades em apenas quatro anos. A onda de novos municípios fez surgir uma safra de vereadores e prefeitos debutantes na política e com padrões precários de governança. O próprio IBGE, ao traçar o "Mapa da Pobreza e da Desigualdade", colocou Mateiros como o terceiro município do país com maior índice populacional abaixo da linha da pobreza: nada menos que 81,6% de seus habitantes estavam nessa condição.

Esse processo de surgimento de cidades "artificiais", como mostra o censo do ano passado do IBGE, continuou também na última década. É claro que alguns desses novos municípios podem ter melhor estrutura para atender seus habitantes e mesmo gerar recursos próprios para se sustentar. Mas o mais provável é que sejam poucas exceções.

Um segundo fenômeno fotografado pelo censo do IBGE foi a continuação do crescimento do número de grandes cidades no país, com população superior a 1 milhão de moradores. No espaço de uma década, esse número passou de 13 para 15. Esse conjunto de municípios reunia 40,2 milhões de pessoas em 2010, o que corresponde a 21,1% da população total do país. Os três municípios mais populosos continuaram sendo São Paulo (11.253.503 habitantes), Rio de Janeiro (6.320.446) e Salvador (2.675.656). Belo Horizonte (2.375.151) passou a ser o sexto mais populoso em 2010, sendo superado por Brasília (2.570.160) e Fortaleza (2.452.185).

Entre os 15 municípios com mais de 1 milhão de habitantes, os que mais cresceram em dez anos foram Manaus (1.802.014 pessoas em 2010), que com uma taxa de 2,51% ao ano, passou de nono para sétimo mais populoso; e Brasília (2.570.160), que passou de sexto para quarto, com um crescimento médio anual de 2,28%. Porto Alegre (1.409.351 pessoas) foi o município que menos cresceu nesse grupo, com incremento anual de apenas 0,35% ao ano.

Nesse aspecto, vale também o debate sobre as condições em que vivem os brasileiros nas grandes cidades, que de forma geral enfrentam problemas gigantescos de transporte público, saúde, educação, violência, poluição, falta de opções de entretenimento e lazer. A tendência de concentração da população em grandes centros metropolitanos não é nem nova nem exclusiva do Brasil, obviamente. Ao longo das últimas décadas, como ocorre em todo o mundo, se acelerou no país o processo de migração do campo para a cidade - movimento também registrado pelo censo do IBGE: o acréscimo de quase 23 milhões de habitantes urbanos resultou no aumento do grau de urbanização, que passou de 81,2% em 2000, para 84,4% em 2010. Não é possível, portanto, se defender políticas que restrinjam o crescimento das megacidades, mas é preciso, sim, reforçar os programas e os investimentos que possam melhorar a qualidade de vida nesses municípios.