Título: Crise e oportunidade
Autor: Silva, Diogo Castro e
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2011, Opinião, p. A13

Na esteira de uma crise existem sempre oportunidades. Para Portugal e para parte da Europa esta máxima aplica-se também, mesmo que as notícias de hoje possam traçar um quadro negativo da realidade. De forma resumida, e tomando por base os três países que já pediram ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e à União Europeia, pode-se dizer que a Grécia sofre de um grave problema de dívida pública; a Irlanda, da quebra do seu sistema financeiro; e Portugal, de uma ausência de crescimento econômico, que vem afetando a sua economia nos últimos 10 anos e que torna qualquer dívida num fardo insustentável.

É por isso inevitável que o pacote de ajuda do FMI e da União Europeia passe por medidas que possam levantar o potencial de crescimento econômico de Portugal. Liberalização do mercado de trabalho, privatizações, levantamento de restrições em vários setores da economia estarão inevitavelmente no topo da lista.

Para o Brasil e para as suas empresas, esta pode ser uma oportunidade estratégica e de grande interesse, sobretudo no quadro da expansão internacional do seu tecido corporativo.

Portugal é uma via importante de entrada na Europa e o país pode ser o pivô da internacionalização das empresas brasileiras para a África. Hoje, as empresas brasileiras, pela primeira vez na sua história, são obrigadas a abraçar o caminho da internacionalização como forma de manter a sua posição em setores fundamentais da sua economia como é o caso da indústria de base e dos recursos naturais. E são obrigadas a fazê-lo num quadro de grande exigência da demanda doméstica cujo maior reflexo é talvez a escassez de quadros qualificados. É aí que Portugal e as oportunidades de aquisição de empresas que o atual momento do país propicia podem ter um papel relevante na criação da "Brasil Inc".

Com um pool de quadros qualificados, boa infraestrutura, empresas com experiência e DNA internacional, nomeadamente na África de língua portuguesa, Portugal pode ser um acelerador na internacionalização das empresas brasileiras. É aí que a proximidade cultural e a língua comum podem ser transformados numa verdadeira vantagem competitiva no mundo global de hoje.

Para os dois países, o triângulo América do Sul, Europa e África é o espaço em que se trabalha uma parte do seu futuro econômico. Para o Brasil esse é um espaço relevante porque, sem uma presença importante na África, o seu papel de principal fornecedor de matérias-primas que alimentam o crescimento asiático e sobretudo chinês poderá vir a ser ameaçado dada a riqueza de recursos naturais deste continente e a sua maior proximidade geográfica aos mercados consumidores asiáticos.

Os investimentos da Vale do Rio Doce na África, por exemplo, devem ser vistos à luz desta perspectiva. Mas não só.

Setores importantes da economia brasileira como o agronegócio, etanol e petróleo podem se beneficiar de forma decisiva duma presença significativa neste continente. Basta pensar nas semelhanças que existem na exploração de petróleo em Angola e Brasil e o que isso significa para as empresas brasileiras do setor em termos do seu mercado potencial.

Para Portugal, é significativo, porque trata-se de ter uma presença importante num dos espaços de dinamismo econômico do século XXI. Portugal carece hoje de capital que permita alavancar a sua posição privilegiada em mercados de elevado potencial, como é o caso da África.

A existência de um elevado nível de endividamento quer do Estado quer das empresas portuguesas dá às empresas brasileiras oportunidades de investimento extremamente interessantes, além de reforçar o seu acesso a fontes de financiamento europeias que permitam, por exemplo, aliviar o esforço do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no apoio à internacionalização das empresas brasileiras.

Por outro lado, as empresas portuguesas se beneficiarão não só do aporte de capital dos sócios brasileiros, mas da integração da sua presença internacional nos fluxos comerciais com o Extremo Oriente e sobretudo com a China. Para bancos portugueses com presença na Ásia, por exemplo, pensar a sua atividade em termos do fluxo comercial Portugal/China ou Portugal+Brasil+África/China tem um potencial totalmente diferente.

Uma boa oportunidade nada mais é que um cruzamento entre necessidades e circunstâncias favoráveis. Temos isso hoje no momento de Brasil e Portugal. O primeiro, buscando a realização da sua promessa tanta vezes adiada e a sua afirmação como uma das principais potências econômicas do século XXI. Precisa, além de um esforço de investimento doméstico significativo, assumir uma presença global ao nível das suas empresas à semelhança do que fazem China e Índia.

Portugal, procurando encontrar uma base de dinamismo econômico que permita alavancar o enorme esforço realizado nas últimas décadas no sentido de dotar o país de infraestrutura física e humana de qualidade e dotar o país de um plano de negócios promissor.

Necessidade e circunstâncias são favoráveis. A oportunidade existe. Saberemos aproveitá-la?

Diogo Castro e Silva é diretor executivo do Banco Caixa Geral-Brasil