Título: Fazer omelete sem quebrar os ovos?
Autor: Castelar, Armando
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2011, Opinião, p. A13

"Quem apostar na inflação vai perder". Assim, o então ministro Mário Henrique Simonsen admoestou aqueles que acreditavam na alta da inflação, na esteira do segundo choque do petróleo, então nosso principal item de importação. O ano era 1979. Em que pesem as impecáveis credenciais do ministro, sua advertência não teve mais efeito do que as de outros que o seguiram no cargo: a inflação, que em junho de 1979 acumulava 45% em doze meses, um ano depois já estava em 84%; e, cinco anos à frente, beirava os 200%.

Simonsen deixou o governo em agosto de 1979, defendendo uma política de contenção de gastos e controle do déficit externo, o que exigia uma desaceleração da economia, proposta que não sensibilizou o presidente Figueiredo, que se alinhou com a ala desenvolvimentista do governo. Após a saída de Simonsen, o governo tirou o pé do freio e pisou no acelerador: o Produto Interno Bruto (PIB), que aumentara 5% em 1978, subiu 6,8% em 1979 e acelerou em 1980, quando cresceu 9,2%. Além de a inflação quase dobrar, isso aumentou o déficit em conta corrente em 1,7% do PIB - sempre nos doze meses findos em junho - piorando a crise de financiamento externo que veio em seguida.

Não foi a primeira vez que a relutância em segurar temporariamente o crescimento para baixar a inflação prejudicou o desenvolvimento do país. Algo semelhante ocorreu em 1974, depois que a alta dos preços das importações, em especial do petróleo, jogou o déficit em conta corrente e a inflação para cima. A economia brasileira já vinha superaquecida, inclusive pela política monetária expansionista de 1973, e a resposta a esse choque deveria ter sido reduzir o crescimento e desvalorizar o câmbio. Em vez disso, se decidiu combater a alta dos preços e os gargalos externos aumentando a oferta, via investimentos subsidiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), numa nova rodada de substituição de importações.

Pode-se argumentar que a decisão de 1974 tinha uma inspiração maior, de criar condições para um gradual retorno à democracia, em um contexto em que a linha dura das Forças Amadas ainda tinha poder para abortar esse processo, se fosse capaz de embalar seus argumentos na bandeira de que a redemocratização comprometia o crescimento. Mas a visão desenvolvimentista, de que crescer mais rápido justifica "um pouco mais de inflação" e que esta se resolve aumentando o investimento, em vez de segurando a demanda, também teve influência. Em 1979, quando o quadro político era mais favorável, o viés "desenvolvimentista" foi ainda mais importante.

É interessante contrastar a resposta desenvolvimentista com as reações mais ortodoxas a esses mesmos choques. Em 1974-75, o mundo entrou em recessão, com o PIB global expandindo 2,3% ao ano, contra 6,2% no biênio anterior. O Brasil, que, na visão oficial da época, era uma ilha de tranquilidade em um mundo em crise, cresceu 6,7% ao ano, em média nesse biênio. Para financiar esse crescimento fomos aumentando nosso déficit externo que, em que pese a gradual recuperação dos termos de troca até 1977, gerou a elevada dívida que nos anos 1980 nos levaria à crise de financiamento externo e a perder quase duas décadas de crescimento.

A comparação com a Coreia do Sul também ilustra a diferença de estratégia. Em 1979, Brasil e Coreia do Sul registravam grande dependência do petróleo importado, elevados déficits em conta corrente e dívidas externas expressivas. Os dois países sentiram, portanto, o segundo choque do petróleo e o aperto monetário nos EUA. O Brasil tinha então um PIB per capita, em paridade de poder compra, 20% acima do coreano. Em 1980, a Coreia empreendeu um forte ajuste, freando firme a demanda doméstica, em resposta a esses choques externos. O PIB coreano caiu 1,5% esse ano. A inflação subiu, de 18% para 29%, com a alta do preço dos combustíveis, mas cinco anos depois era de 2%. O Brasil, como se viu, pisou no acelerador. Trinta anos depois, nosso PIB per capita é um terço do coreano.

A visão desenvolvimentista, de que a demanda cria sua própria oferta e que "um pouco de inflação" é só uma turbulência transitória que não justifica "derrubar" o crescimento para ser combatida, manteve-se viva e influente, mesmo com a aceleração da inflação nos anos 1980. Ela ajuda a entender, por exemplo, o fracasso do Plano Cruzado.

A experiência mostra, porém, que o desenvolvimento não se alcança expandindo a economia além do que permitem as restrições de oferta, mas sim com crescimento sustentável e continuado. Nesse processo, a inflação não é só a temperatura alta que sinaliza haver algo de errado com o organismo econômico, mas também um fator que o debilita, aumentando a incerteza e desestimulando o investimento, o grande limitante ao nosso crescimento.

Declarações de efeito sobre o combate à inflação são um esforço de moldar expectativas e, claro, são válidas. Como mostrou a nossa história, porém, elas se tornam mais recorrentes exatamente quando os fundamentos, que deveriam fazer esse trabalho, não são bons. Não por outra razão, elas raramente surtem efeito.

Armando Castelar Pinheiro, pesquisador do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ. Escreve mensalmente às sextas-feiras.