Título: Banco Central muda diagnóstico e ação
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2011, Brasil, p. A2

O Banco Central (BC) mudou seu diagnóstico do cenário econômico e também a receita para enfrentar o problema central - a inflação. Se antes, o combate à alta inflacionária estava centrado na combinação de aumento da taxa básica de juros (Selic) com a adoção de medidas macroprudenciais, agora, o instrumento principal volta a ser o convencional (os juros). Se previamente, o ajuste monetário seria encerrado proximamente, agora ele será prolongado.

O "novo" BC está nas entrelinhas da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Escrito de forma incremental, o documento, quando comparado à ata do encontro anterior do Comitê, ocorrido no início de março, revela mudanças significativas na forma como o BC está vendo a economia brasileira, o mundo e a sua própria forma de agir.

Uma leitura pormenorizada da 158ª ata mostra, por exemplo, que, neste momento, o BC vê "persistência elevada" nos reajustes dos preços dos alimentos; piora nos preços administrados e da gasolina; "clara disseminação" de pressões inflacionárias nas principais economias do mundo; e aumento da inércia no front interno, provocado por uma maior duração dos choques de oferta que atingiram a economia no fim de 2010.

A diretoria do BC chega a cometer uma ousadia política. No item 28 da ata, diz que "o Comitê considera oportuna a introdução de iniciativas no sentido de moderar concessões de subsídios por intermédio de operações de crédito". Em outras palavras, o BC defendeu que os bancos públicos, especialmente o BNDES, reduzam a oferta de crédito subsidiado, que, além de aumentar a demanda no curto prazo, diminui a eficácia da política monetária.

Questionar a expansão do crédito público tornou-se, desde o advento da crise financeira mundial, em 2008, um debate interditado no país. Certamente, essa forma de crédito cumpriu um papel importante, mas o seu crescimento contínuo, no pós-crise, quando o mercado de capitais já havia se recuperado, faz pouco ou nenhum sentido. A cutucada dada pelo BC foi corajosa. Não constava de seus documentos recentes.

Registre-se que o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, é ardoroso defensor da adoção de medidas que favoreçam o desenvolvimento de mecanismos privados de financiamento, uma forma de reduzir a dependência das empresas do crédito público de longo prazo. Liderou, inclusive, as discussões que resultaram na adoção das primeiras medidas nessa direção, em 2010.

O BC está mais realista. Na ata da reunião do Copom de março, demonstrava relutância em admitir a persistência da aceleração dos preços, liderada pelos preços livres, ocorrida no ano passado. Dizia que o cenário podia "mostrar alguma persistência". Na última ata foi taxativo: a aceleração de preços "mostra persistência".

O Copom enfatiza ainda mais, na ata recente, a pressão dos preços dos alimentos sobre a inflação. O documento fala em "persistência elevada" desses preços, expressão que não constava do texto anterior. Recentemente, conforme revelou o repórter Mauro Zanatta, o BC foi informado pelo Ministério da Agricultura de que os aumentos de preços de alimentos, no Brasil, são disseminados e decorrem, principalmente, de uma "forte pressão de demanda".

A constatação se confrontou com a tese anterior, e na qual o BC vinha apostando suas fichas, de que a alta resultava de um choque de oferta de commodities importado do exterior. Há, de fato, problemas lá fora, especialmente o efeito da abundância de capitais sobre a negociação de commodities, inclusive de alimentos, mas o fato é que, por aqui, o problema diz respeito essencialmente ao descompasso entre oferta e demanda.

O BC reviu suas previsões de reajuste da gasolina para este ano (de 0% para 2,2%) e do conjunto dos preços administrados por contrato e monitorados (de 4% para 4,3%). Quando aborda o cenário de inflação no mundo, o Copom diz, na última ata, que "a trajetória dos índices de preços mostra clara disseminação de pressões inflacionárias nas principais economias". Na ata anterior, afirmara que havia uma "certa disseminação".

No item 24 da ata atual há um outro destaque que, apenas na aparência, pareceu meramente semântico. O Comitê diz que o dinamismo da atividade doméstica continuará a ser favorecido pelo vigor do mercado de trabalho, "que se reflete em taxas de desemprego historicamente baixas e em substancial crescimento dos salários". No documento de março, restringiu-se a afirmar que o crescimento dos salários se dava "notadamente no setor público".

Uma mudança relevante no diagnóstico do BC diz respeito à inércia, isto é, ao efeito da inflação passada sobre a corrente e a futura. Na penúltima ata, o BC já falava da elevada inércia trazida de 2010, mas, desta vez, acrescentou que esse processo é agravado "pela duração de choques que atingiram a economia no final do ano passado, que se estenderam para o primeiro trimestre deste ano".

Por fim, amparado por um diagnóstico menos róseo da realidade, o Copom sinalizou um ajuste mais prolongado na política de juros. Dos sete integrantes do Comitê, cinco votaram pelo aumento da taxa Selic em 0,25 ponto percentual e dois, por uma elevação maior (de 0,50 p.p.).

Na tradição do Copom, dissensos numa reunião costumam virar consensos no momento seguinte, o que indicaria um aperto monetário maior na próxima reunião. Talvez, não seja este o caso, mas, na ata, o Comitê fez questão de informar que a decisão de fazer um ajuste prolongado na política monetária foi unânime. Embora não tenha fechado inteiramente a porta para novas medidas macroprudenciais, o BC sinalizou que elas não estão mais na ordem do dia - no item 27 da ata anterior, defendeu seus efeitos sobre a demanda agregada.

O BC pode estar no início de uma nova fase. Se persistir nesse caminho, deverá coordenar melhor as expectativas dos agentes econômicos, diminuindo a dispersão de opiniões, o que certamente ajudará na difícil batalha contra a inflação no curto prazo. Não faltarão críticos, dentro e fora do governo. Os defensores de uma "inflaçãozinha-a-mais-para- promover-mais-crescimento" vão se decepcionar e reclamar muito. Tempos animados virão.

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras