Título: Transformação demográfica já afeta a competitividade?
Autor: Arbache, Jorge
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2011, Opinião, p. A12

O Brasil está passando por substancial transformação demográfica. A taxa de crescimento populacional passou de 1,8%, em 1990, para apenas 0,9%, em 2010. Em 1990, a taxa de fecundidade era de 2,8 filhos por mulher; mas, em 2010, essa taxa já havia caído para apenas 1,9, número bem abaixo da taxa de reposição populacional de 2,1. Em 1990, 35% da população estava na faixa de 0 a 14 anos. Essa parcela caiu para 25% em 2010 e deverá ser de apenas 17% em 2023. Já a parcela da população na faixa de 60 anos ou mais era de 7% em 1990, passou para 10% em 2010 e deverá superar a parcela da população jovem ainda antes de 2023.

Essa significativa mudança demográfica está afetando a competitividade da economia brasileira e o canal de transmissão é o mercado de trabalho, por meio da população em idade ativa (PIA, pessoas entre 15 e 60 anos). Quando a taxa de crescimento da PIA aumenta rapidamente, a oferta de trabalho também aumenta bastante. Quando a taxa de crescimento da PIA aumenta lentamente, a oferta de trabalho cresce pouco. Mas quando a taxa de crescimento da PIA é negativa, a oferta de trabalho diminui. Como a PIA é o principal fator determinante da oferta de trabalho, mudanças no seu nível e composição têm impactos substanciais na taxa de desemprego e na formação dos salários.

Embora a PIA ainda esteja crescendo, sua taxa de crescimento vem diminuindo rapidamente, o que ajuda a explicar, juntamente com a mais rápido expansão da economia, a trajetória de queda do desemprego e o aumento dos salários reais. Nossas estimações sugerem que a queda de um ponto percentual na taxa de crescimento da PIA implica num aumento de R$ 216 nos salários médios reais do setor privado. De fato, a taxa média de desemprego passou de 11,3%, em 2001, para 6,7%, em 2010, enquanto que o salário médio real do setor privado passou de R$ 971 para R$ 1.387 no mesmo período. A redução da taxa de crescimento da PIA ao longo dos próximos anos será acompanhada por maior pressão no mercado de trabalho. Essa pressão será ainda mais aguda a partir da década de 2020, quando a taxa de crescimento da PIA tornar-se-á negativa.

O problema é que a aceleração dos salários reais pode afetar a competitividade internacional por elevar os custos de produção. O impacto será tanto maior nos setores mais expostos à competição internacional e com maior parcela dos custos do trabalho nos custos finais.

Esse é o caso da indústria manufatureira em geral, em contraste com os setores produtores de commodities, em que os custos do trabalho tendem a ser uma parcela bem mais modesta dos preços ao produtor. O aquecimento do mercado de trabalho beneficia os trabalhadores, devido a salários mais elevados, mas ameaça os empregos, especialmente os da manufatura.

O indicador câmbio efetivo/salário, indicador comumente utilizado para examinar a competitividade das exportações, mostrou forte valorização ao longo da década passada, o que implicou na perda de competitividade dos produtos industrializados. A valorização do indicador resultou da substancial valorização do real, mas, também, do aumento dos salários.

A figura mostra a relação câmbio efetivo/salário e a participação da indústria manufatureira no PIB. A correlação entre os indicadores é de 0,79 e sugere que a queda da competitividade internacional da indústria foi acompanhada muito de perto pela perda da sua participação no PIB. A perda de competitividade é danosa para o país, mas é especialmente problemática para o setor industrial, que concorre diretamente com países cujos custos do trabalho vêm aumentando mais lentamente e/ou em que os salários médios são bem menores que no Brasil, e em que políticas vigorosas são implementadas para proteger os interesses de suas indústrias. Esses são os casos da China e Índia. Tudo o mais constante, as mudanças demográficas contribuirão para que o setor primário ganhe participação na economia e a indústria manufatureira perca participação.

Para que se mitigue essa tendência, será preciso que o país responda e se adapte às mudanças demográficas. As principais respostas são aumentar significativamente a produtividade do trabalho e expandir a população trabalhadora.

O aumento da produtividade do trabalho requer investimentos que levem educação de qualidade para todos e investimentos em infraestrutura, capital fixo, tecnologia e inovação. Requer, também, encorajar investimentos em setores de mais alta produtividade e valor adicionado. Será preciso, ainda, estimular o treinamento continuado dos trabalhadores, requalificar os trabalhadores maduros que retornam ao mercado de trabalho, aumentar a produtividade do setor informal, fomentar o aumento da produtividade das micro e pequenas empresas e incentivar a meritocracia, de forma a valorizar a acumulação de capital humano e o bom desempenho no trabalho. O aumento da produtividade do trabalho é o requisito mais importante para a manutenção do poder de compra dos salários reais e para a criação de empregos.

No que tange à expansão da população trabalhadora, será preciso introduzir reformas trabalhistas e previdenciárias. A flexibilização da legislação trabalhista será importante para encorajar mais pessoas a participarem do mercado de trabalho, incluindo os jovens, mulheres e os já aposentados que queiram voltar a trabalhar. A reforma da legislação previdenciária será importante para inibir as pessoas de se aposentarem tão prematuramente no Brasil.

Jorge Arbache é assessor da presidência do BNDES e professor de economia da UnB.