Título: Câmbio ótimo de R$ 2,90 causa controvérsia
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2011, Brasil, p. A4

A ideia de que o câmbio deveria estar hoje na casa de R$ 2,90 para alcançar a taxa "ótima" real de longo prazo é criticada por economistas ortodoxos e recebida com cautela pelos desenvolvimentistas. Segundo estudo dos economistas André Nassif, do BNDES e da Universidade Federal Fluminense (UFF), Carmem Feijó, da UFF, e Eliane Araújo, da Universidade Estadual de Maringá, a taxa "ótima", definida como a que induz à alocação de recursos para os setores de maior produtividade e leva ao desenvolvimento, teria sido atingida em 2004, como mostrou reportagem do Valor de ontem. Naquele ano, o país teria apresentado os melhores indicadores macroeconômicos do período analisado (1999 a 2010) e o câmbio real estaria um pouco desvalorizado em relação à tendência de longo prazo.

O ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman vê problemas no conceito de taxa "ótima", assim como considera arbitrária a escolha do ano de 2004, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 5,7% e houve superávit de 1,6% do PIB em conta corrente. "A taxa é ótima para quem? Em 2004, houve superávit em conta corrente, mas a inflação ficou em 7,6%, acima do centro da meta de 5,5%, e taxa de investimento de 15,5% do PIB, um nível muito inferior aos 18,4% do PIB de 2010", diz ele, para quem a combinação de superávit em conta corrente e aceleração da inflação - o Banco Central iniciou em 2004 um ciclo de alta dos juros - indica que a moeda estava muito desvalorizada.

Defensor ferrenho de mudanças no nível de câmbio do Brasil, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira elogia o trabalho dos três autores, embora diga que a taxa de R$ 2,90 lhe parece muito alta. Para Bresser, a taxa de equilíbrio industrial - que tornaria "competitiva a indústria que utiliza a tecnologia no estado da arte mundial" - estaria próxima de R$ 2,30. No estudo, os autores dizem que a taxa "ótima" é próxima do conceito de equilíbrio industrial defendida por Bresser. "Acho o número alto, mas o trabalho é sério. O meu número é um "feeling", embora leve em conta uma análise histórica."

O diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Saboia, acredita que o câmbio hoje está de fato muito valorizado, como indica a perda de competitividade da empresas brasileiras, mas também diz que o valor de R$ 2,90 parece elevado. "E 2004 foi o primeiro ano bom da década, mas eu me pergunto se o câmbio ainda não estava desvalorizado demais."

A exemplo de Schwartsman, o coordenador-técnico da Tendências Consultoria, Marcio Nakane, também vê com reservas o conceito de taxa "ótima". Em trabalho realizado em parceria com Samuel Pessôa, da Tendências e da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Nakane estimou qual seria a taxa real de equilíbrio do país, chegando à conclusão que o câmbio está na verdade levemente desvalorizado. O modelo usado pelos dois economistas considera os termos de troca (diferença de preços de exportação e importação) e o passivo externo líquido, dado pela soma dos resultados em conta corrente, levando em conta a taxa real de câmbio efetiva da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), com os preços ao atacado no exterior e preços ao consumidor domésticos como deflatores.

O estudo indica que, em dezembro de 2010, o câmbio estaria 6,3% desvalorizado em relação ao seu nível de equilíbrio. Naquele mês, em vez de um dólar de R$ 1,69, a cotação de equilíbrio seria de R$ 1,55. A melhora dos termos de troca, num cenário de alta de commodities, tem peso para explicar uma taxa real de equilíbrio mais baixa. Um ponto importante é que o conceito de câmbio real de equilíbrio difere da taxa "ótima" que aparece no trabalho de Nassif, Carmem e Eliane.

Cálculos sobre a taxa de câmbio costumam mostrar resultados bastante díspares. O Goldman Sachs, por exemplo, estima que a taxa de equilíbrio nominal contra o dólar está hoje na casa de R$ 2,70, num cálculo em que entram os termos de troca, diferenciais de ganhos de produtividade e a diferença entre a inflação interna e externa.