Título: Alteração do cenário global deve mudar rumos do câmbio ::
Autor: Neto, Silvio Campos
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2011, Opinião, p. A14

Nos últimos meses, têm se acumulado ruídos no mercado de câmbio, gerados em parte por ações do próprio governo, em meio às diversas tentativas de reverter - ou ao menos estancar - a trajetória de apreciação do real. Não foram poucas as vezes que o Ministério da Fazenda veio a público afirmar que uma apreciação adicional da moeda doméstica seria prejudicial à economia, o que pode ser traduzido como "o câmbio será fixo", o que de fato predominou até o fim de março.

Tal estabilidade da cotação, aliada às ameaças crescentes da própria equipe econômica de que medidas de contenção do fluxo de dólares cada vez mais severas estariam em pauta, incentivou uma verdadeira enxurrada de moeda estrangeira, em um movimento de antecipação de entradas diante dos estímulos criados involuntariamente pelo governo.

Após algum período de estabilidade, no fim de março o câmbio rompeu importantes limites de baixa, inicialmente de R$ 1,65 por dólar e, pouco depois, de R$ 1,60, o que, inclusive, levantou dúvidas sobre mudanças na atuação do Banco Central no mercado cambial, dada a contribuição que um real mais valorizado pode fornecer para o processo de combate à inflação. Por outro lado, tal movimento ocorre em um período de elevada incerteza do cenário internacional, com diferentes fontes de risco em destaque.

Com essas informações em mãos, tendo em vista o cenário prospectivo, um primeiro aspecto a ser analisado é o fluxo cambial. Dados recentes mostraram enfraquecimento das entradas de capitais em abril, o que pode sugerir que as últimas ações restritivas do governo estariam sendo eficazes em seu objetivo. Ou ainda, que o fluxo vigoroso até março já representou uma antecipação da maior parte das entradas previstas. A confirmação desse cenário mais ameno para o influxo de dólares implicaria em uma menor pressão para apreciar o câmbio, mas tal conclusão demanda um período maior de avaliação. Evidentemente, como as informações são iniciais, não se conhece ao certo qual o impacto das medidas restritivas na abertura do balanço de pagamentos, já que muitas linhas da conta capital foram tributadas e uma eventual migração entre modalidades pode ser observada nos próximos meses, visando evitar tal tributação adicional.

Também deve se levar em consideração o grau de atuação do Banco Central no mercado à vista

Outro ponto a se destacar consiste no comportamento esperado dos termos de troca do país, fator sempre fundamental para explicar os movimentos da taxa de câmbio. Diante da valorização acentuada dos preços de commodities (bens que exportamos) e da fraqueza dos preços de bens manufaturados (bens que importamos) nos mercados internacionais, os termos de troca brasileiros foram amplamente favorecidos neste período pós-crise de 2008. Isso explica parcela importante dos ganhos recentes do real.

Entretanto, os sinais recentes sugerem que tal padrão não deverá ser mantido daqui em diante. Embora os preços das commodities devam permanecer elevados, é pouco provável que mantenham a mesma trajetória de alta. Por outro lado, os preços de importados começam a mostrar recuperação após o longo período de fragilidade, reflexo da retomada da atividade nas economias avançadas.

Uma situação que também deve ser considerada se refere ao grau de atuação do Banco Central no mercado à vista. Com a queda recente do dólar, especulou-se que o BC teria reduzido seu ritmo de intervenções para contar com o auxílio do câmbio mais apreciado na tarefa de reduzir a inflação. Todavia, os números recentes ainda apontam uma atuação firme da autoridade monetária na ponta compradora, o que não corrobora esta tese por hora. De todo modo, essa possibilidade ainda não pode ser totalmente descartada no curto prazo.

Duas situações identificadas acima poderão ficar mais evidenciadas ao longo dos próximos meses: menor influxo de capitais e estabilização dos termos de troca do país. Porém, um aspecto que surge como decisivo para impactar o câmbio decorre de um fundamento completamente externo - a reversão da atual política monetária americana. Esse processo envolverá algumas etapas, mas apenas a sinalização de seu início já tende a trazer repercussões nos mercados globais.

Nesse sentido, primeiramente o Federal Reserve deverá finalizar o processo de "quantitative easing", cujo término está previsto para junho. Posteriormente, sinalizar como será promovido o enxugamento do balanço do Fed, atualmente em US$ 2,6 trilhões, ante o nível médio pré-crise de US$ 900 bilhões. Evidentemente, diante da magnitude da liquidez gerada, a redução do balanço será um processo lento e gradual. Por fim, por meio de seus comunicados, indicar aos mercados que as taxas de juros vão sair dos níveis atuais entre 0% e 0,25%, que claramente não representam um patamar neutro.

Mesmo sem a elevação efetiva da taxa de juros dos "fed funds", apenas sua perspectiva causará influências no mercado cambial, via antecipação do movimento por parte dos agentes. No último ciclo de alta dos "fed funds", iniciado de fato ao final de junho de 2004, os impactos nos mercados começaram cerca de três meses antes, conforme os sinais passaram a ser emitidos.

Em um primeiro momento, os juros dos títulos de dois anos nos EUA subiram cerca de 1 ponto percentual, movimento que coincidiu com uma depreciação do real em torno de 7,5%. O fato de o real ter retomado, posteriormente, à tendência de apreciação foi condicionada pela dinâmica de outros fatores, tais como o prêmio de risco Brasil declinante, a evolução positiva dos preços de commodities e o fato do próprio nível da taxa de câmbio ainda ser depreciado à época (em torno de R$ 3,00).

Pode-se admitir, assim, que o impacto do início da reversão da política monetária americana, a iniciar pela retirada do quantitative easing, não será desprezível na formação da taxa de câmbio, apesar das condições ainda relativamente benignas ao Brasil, tal como o diferencial de juros elevado, o baixo prêmio de risco e os preços de commodities ainda altos.

Silvio Campos Neto e Bruno Lavieri são economistas da Tendências Consultoria.