Título: Relator vota pela união homossexual
Autor: Magro , Maíra
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2011, Legislação, p. E1

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a votar ontem duas ações que pedem o reconhecimento da união estável entre homossexuais. Após um extenso voto favorável do relator dos dois processos, ministros Ayres Britto, para quem a Constituição Federal deve reconhecer a união homoafetiva, o julgamento foi interrompido no começo da noite, e prosseguirá na tarde de hoje.

O voto do relator confirmou a expectativa de que o Supremo decida, por maioria, que a união estável entre casais do mesmo sexo está amparada pela Constituição. Um posicionamento nesse sentido estenderia para os parceiros homossexuais os mesmos direitos resultantes da união estável entre pessoas heterossexuais. A união estável se equivale juridicamente ao regime de comunhão parcial de bens, para fins de partilha, sucessão e pensão.

Um dos processos em análise foi movido pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat. O outro foi proposto pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Ambos defendem o reconhecimento da união estável homoafetiva. A discussão gira em torno do artigo 226, parágrafo terceiro, da Constituição Federal, que diz: "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar".

Os proponentes das ações argumentam que, ao mencionar expressamente o homem e a mulher, o dispositivo não excluiu os homossexuais desses direitos. Também afirmam que o texto constitucional deve ser interpretado segundo uma série de princípios fundamentais - como o direito à igualdade e à não discriminação. Tanto a Procuradoria-Geral da União (PGR) e a Advocacia-Geral da União se posicionaram nesse sentido.

O advogado Luís Roberto Barroso, que representou na tribuna o governo do Rio de Janeiro, fez uma eloquente defesa dos direitos dos homossexuais. "Ninguém deve ser diminuído pelo afeto que escolher", afirmou. Barroso argumentou que o objetivo do dispositivo da Constituição questionado - o parágrafo terceiro do artigo 226 - foi garantir a emancipação da mulher, ao assegurar direitos nas uniões fora do casamento formal. "Interpretar esse dispositivo como um preconceito aos homossexuais é trair o princípio da norma", sustentou. Barroso também traçou uma história da perseguição aos homossexuais e concluiu: "A história da civilização é de superação de preconceitos. É possível julgar essa matéria olhando para frente e não para trás."

Treze entidades entraram na ação como amicus curiae - 11 delas favoráveis ao reconhecimento da união homoafetiva. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Associação Eduardo Banks se posicionaram contrários a essa possibilidade, com dois argumentos: de que a Constituição é clara ao tratar apenas da união entre homens e mulheres; e que o artigo constitucional sinalizaria a vontade do povo brasileiro - que, na opinião das entidades, seria contrária à equiparação dos relacionamentos homossexuais aos heterossexuais, para fins jurídicos.

Ao analisar o caso, o ministro Ayres Britto afirmou que a escolha sexual é uma questão privada dos indivíduos, e a igualdade de direitos independe dessas opções. Para o ministro, a Constituição Federal não exclui os casais homossexuais dos direitos presentes na união estável. "Entre interpretar o silêncio como vedação ou como autorização, quero crer que a segunda opção é nitidamente correta e científica", afirmou o ministro. "Tudo que não estiver juridicamente proibido é permitido", afirmou.

Outro argumento expresso em seu voto é que, no século 21, as relações se marcam pela preponderância do afeto sobre questões biológicas. Portanto, a sexualidade seria irrelevante para fins jurídicos. O voto do ministro também diz respeito ao artigo 1.723 do Código Civil, segundo o qual "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher." Segundo o ministro, o artigo também deve ser interpretado de forma a garantir as mesmas regras e consequências da união estável entre heterossexuais para casais homossexuais.