Título: Insustentável
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 13/08/2010, Economia, p. 11

Consumidor

Mensalidaddes, dos planos de saúde podem subir 126,7% acima da inflação em 30 anos, inviabilizando o acesso ao serviço

Os preços abusivos impostos aos consumidores pelos planos de saúde no Brasil podem se tornar impagáveis se a dinâmica de reajuste de contratos continuar a correr solta, como acontece hoje. O alerta foi disparado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pela Fundação Procon-SP ao divulgarem estudo no qual mostram que, em 30 anos, os custos dos planos terão subido 126,7% acima da inflação, inviabilizando o acesso ao serviço.

Para o cálculo, os institutos projetaram um avanço constante do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 4,5% por ano e consideraram os reajustes autorizados pela Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS) para planos individuais nos últimos 10 anos. Nesse período, os contratos subiram 31,36% além da inflação.

O IPCA foi escolhido, segundo o instituto, por ser utilizado para reajustar o salário mínimo e as demais remunerações, além de servir como índice oficial de inflação.

O exemplo apresentado pelo instituto é de um consumidor de 30 anos, com salário de R$ 3 mil. A mensalidade paga hoje é de R$ 180,74 e compromete 6,02% da renda, mas no atual ritmo, quando ele chegar aos 60 anos, o plano custará mensalmente R$ 6.088, valor que representará (considerada a inflação) 54,12% do seu rendimento de R$ 11.250 (já corrigido).

De acordo com Daniela Trettel, advogada do Idec, o estudo foi entregue à ANS na tentativa de contribuir com um grupo técnico que estuda, atualmente, uma nova metodologia para reajustar os contratos. O objetivo foi mostrar a inviabilidade do sistema vigente. Se a intenção é manter o modelo de saúde misto (com uma rede pública e outra privada), não adianta ficar discutindo formas de resolver o problema que só contemplem as questões de curto prazo das empresas, afirmou.

A opinião é partilhada pelo diretor do Instituto Brasileiro de Política e Defesa do Consumidor (Brasilcon), Walter Moura, para quem a agência responsável pelo setor baseia a sua atuação olhando mais o lado das operadoras do que o do consumidor. A responsabilidade dela é interferir para que o mercado seja sustentável no longo prazo, mas acaba ouvindo as ameaças das empresas que afirmam que vão quebrar e não escutam o consumidor.

Quem perde com isso é o beneficiário do sistema, mas também o setor, considerou.

O diretor de Normas e Habilitação de Operadoras da ANS, Alfredo Cardoso, rebateu a reclamação de parcialidade nas ações da agência. Toda metodologia de reajustes tem suas vantagens e desvantagens e para resolver os problemas e aumentar a eficiência dela é que a abrimos essa câmara técnica (a fim de discutir um novo método), afirmou.

Cálculo Na avaliação de Moura, o problema dos reajustes começa na forma como são calculados, para a qual não há regulamentação. Nós temos a tendência de achar que uma correção baseada em vários índices mostra melhor a perda de valor nos diversos setores da economia, mas a malandragem dos planos é que eles embutem nesse reajuste, por exemplo, margem de lucro maior, afirmou. Para ele, se os reajustes ficassem restritos à reposição da inflação, os salários dos contratantes conseguiriam acompanhar, ao longo dos anos, o aumento no valor do serviço.

A ANS sugeriu na câmara técnica da qual também participam o Idec e o Procon-SP uma nova forma de calcular os contratos, mas não detalhou como chegou a ela, segundo a advogada do Idec. A proposta não ficou clara e exigimos mais transparência. Se eles chegaram à conclusão de que X + Y é igual a Z, queremos ver o documento que embasou essa fórmula, afirmou.

Além de um método mais claro e que considere a capacidade de pagamento dos consumidores, o Idec também pleiteia junto à ANS a regulação dos contratos coletivos de planos de saúde, atualmente não controlados.

Dessa forma imediatista que a ANS pretende resolver a questão, ela quer continuar só regulando os contratos individuais, mas nos coletivos vemos alguns abusos, como reajustes de 500% de uma só vez, comentou Daniela.

Segundo a advogada, os contratos coletivos representam mais de 70% do mercado.