Título: Depois da grande reforma, a hora da inovação e da criatividade
Autor: Guimarães, Luiz Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2011, Investimentos, p. D12

de São Paulo

Foi o excesso de regulamentação bancária, quesito que o Fórum Econômico Mundial do ano passado considerou um péssimo indicador do estágio atual do sistema financeiro do Brasil, que amorteceu o impacto da crise global de 2008 sobre a economia do país. Nenhum banco quebrou por causa disso, a exposição do sistema a riscos vindos de fora foi mínima e assimilável. O país foi o último a entrar na tempestade e o primeiro a sair, graças sobretudo a um modelo regulatório rígido, herança dos tempos em que qualquer marola externa provocava um tsunami interno, jogando o Brasil nos cofres e nas condicionalidades do FMI. Como reformar muros de proteção tão eficientes, de modo a introduzir inovações financeiras capazes de reduzir o custo do crédito? Mesmo um livro do calibre do recém-lançado "Desafios do Sistema Financeiro Nacional" - obra que comprova a excelência do corpo técnico do Banco Central -, não tem resposta fácil. A questão é estudada e debatida, mas a solução ainda não parece estar madura.

O livro, de autoria de onze estudiosos dos meandros do SFN, dos quais apenas dois não são funcionários de carreira do BC, aborda amplamente os entraves ao aperfeiçoamento do sistema, o impasse do microcrédito e a melhor maneira de aproveitar os avanços das novas tecnologias da informação como eficaz e barato meio de pagamento. A premissa básica é a de que não há possibilidade de promover e sustentar o desenvolvimento econômico sem um SFN sólido, solvente em qualquer hipótese, moderno, eficiente, inovador e criativo. "A simbiose existente entre sistema financeiro e crescimento econômico não se dá pela exclusiva via de expansão dos ativos financeiros, mas também pela eficiência dos canais de alocação de recursos, conveniência dos instrumentos, segurança jurídica, eficácia das normas, entre outras variáveis que sustentam as transações econômicas", escreve José Renato Nunes Barros.

O SFN não é apenas um reflexo passivo do grau de desenvolvimento do país. Trata-se de instrumento essencial para deslocá-lo alguns degraus acima. Sobretudo, ao promover a inclusão de vastas porções da população brasileira aos serviços bancários, entendidos não apenas como a oferta de uma conta corrente, mas também de crédito e seguro. Não é porque o Brasil não constitui uma exceção no mundo - cerca de 2 bilhões de pessoas só fazem operações com dinheiro vivo ou escambo, segundo estimativa de Graciano Sá, autor do capítulo 9 -, que os esforços não requerem urgência.

A possibilidade de o país construir um sistema financeiro que sirva aos interesses de toda a população começa com a estabilização monetária alcançada em 1994 pelo Plano Real, 30 anos depois da criação do Sistema Financeiro de Habitação e do BC. Sem estabilidade - definida como baixa volatilidade do nível geral de preços - não há sistema bancário moderno, nem crescimento sustentável. Não há inclusão bancária, porque a inflação agrava a desigualdade de renda. Os que têm dinheiro conseguem protegê-lo. Outros verão sua renda corroída e sua pobreza aumentada. Sem estabilidade não será possível erguer a estrutura necessária para financiar o crescimento. Mas só ela não é suficiente. Segundo os autores, as mudanças devem começar pela providência básica de regulamentar o artigo 192 da Constituição, que trata do SFN. E prosseguiriam com a concessão de autonomia legal ao BC.

O aperfeiçoamento do sistema é uma tarefa sem fim. Basta ver a maneira com o próprio BC vem definindo suas missões ao longo do tempo. A função essencial de um banco central - o exercício pelo Estado do controle e da regulação do sistema financeiro - foi estabelecida com a fundação do Banco da Inglaterra, em 1694, e modernamente consolidada com a criação, em 1913, do Federal Reserve (Fed) americano. Resta saber como o BC encara seu compromisso com o sistema. A missão primordial da autoridade monetária é hoje a de "assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente". Nem sempre foi assim. Desde o começo, o BC se posiciona como o guardião da moeda, mas o compromisso de tornar o SFN "sólido e eficiente" só veio depois.

O BC também aduz entre seus objetivos os de estimular a "concorrência" dentro do sistema e promover a "inclusão financeira da população". A meta da inclusão não tem alicerce apenas social. Reduz a pobreza, mas ajuda o BC, ao tornar mais efetivos os mecanismos de transmissão da política monetária. E isso é bom para todo mundo: com os canais desbloqueados e alcançando o maior contingente possível de pessoas, mesmo pequenas oscilações das taxas de juros conseguem produzir o efeito desejado de expansão ou retração da demanda agregada. O tiro monetário será mais preciso e condizente com o tamanho do inimigo.

Os desafios não são insignificantes nem incontroversos. Tanto o cooperativismo de crédito (capítulo 4), quanto as sociedades de crédito à microempresa e à empresa de pequeno porte (capítulo 6), persistem patinando. O cooperativismo cresceu nos últimos anos, em inúmeros municípios é a única instituição financeira a fornecer produtos e serviços adequados à realidade e compatíveis com as necessidades da comunidade, mas ainda é muito pouco. A tendência é de que floresça até o ponto em que os rincões proporcionem uma expectativa de lucros satisfatórios para os bancos.

Criadas em 1999, as sociedades de crédito, por serem instituições de capital privado com fins lucrativos, são reguladas e supervisionadas pelo BC. Padecem pesada restrição à captação de recursos e acanhada diversificação de serviços oferecidos aos clientes. "Passados 12 anos, muito pouco se avançou na construção de um ambiente institucional propício para uma atuação mais eficiente", escrevem Alexandre Rodrigues e Alexandra Dodl.

A expansão dos correspondentes bancários é estudada no capítulo 5. Eles precisam desenvolver produtos e serviços específicos para o público de baixa renda, frequentemente não acostumado aos bancos. "As necessidades deste público são quase sempre urgentes. Se no mercado formal a obtenção de um empréstimo, a retirada de dinheiro da poupança ou o recebimento de indenização forem burocráticos, demorados ou distantes, os pobres continuarão recorrendo a mecanismos informais para satisfazer suas necessidades", escreve Antônio José de Paula Neto.

Vencidos os desafios da estabilização monetária, consolidados os postulados das políticas macroeconômicas, reconhecidas internacionalmente as conquistas da política social de incorporação de largos contingentes da população à sociedade de consumo, falta atacar gargalos localizados, como este do sistema financeiro. O BC tem técnicos aptos a propor uma alternativa melhor do que aquela lamentada na conclusão amarga e irônica do capítulo de Graciano Sá, segundo a qual "não há muito a almejar além de rezar pela vinda daqueles líderes iluminados que mostrarão o caminho do progresso e resolverão todos os nossos conflitos".