Título: Os riscos da ideologia no debate nuclear
Autor: Sorge, José Antonio
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2011, Opinião, p. A14

O debate sobre a energia nuclear no Brasil lembra uma senoide, curva bastante familiar para os matemáticos, físicos e engenheiros, tendo em vista a persistente característica de, ciclicamente, retornar ao ponto de início das discussões. Quando tudo parecia fazer crer que a percepção da importância da energia nuclear para o país estava consolidada entre os agentes do setor elétrico e a sociedade brasileira, eis que os desastres naturais no Japão nos fazem retornar ao ponto de partida da discussão desse assunto.

A Usina Nuclear Angra I pairou solitária por anos como único exemplo tangível do ambicioso programa nuclear brasileiro iniciado com muita pompa e poucos resultados na década de 70.

Após muitos anos entrou em operação a Usina Nuclear Angra II. São os dois únicos exemplos concretos de usinas nucleares que temos em nosso país, em efetiva operação comercial.

Em 2010, após décadas de paralisação e custos acumulados com manutenção de equipamentos e obras estruturais interrompidas, tomou-se a decisão de reiniciar as obras da Usina Angra III. É o único empreendimento nuclear previsto no atual Plano Decenal de Expansão de Energia, o PDE 2010-2019, com 1405 MW instalados e operação prevista para 2015.

Segundo a Empresa Pesquisa Energética (EPE), há estudos adicionais em andamento para expansão mais acelerada de usinas nucleares no país, não incluídas nessa ultima versão do PDE. No entanto podemos prever um futuro bastante incerto para a viabilização desses novos projetos.

O fator mais relevante é que não podemos correr riscos de ocorrência de um novo racionamento de energia no país

O título deste artigo pretende alertar, de forma não pretensiosa e sem interesses próprios, portanto isento, para os riscos de se transformar um debate técnico sobre as alternativas mais viáveis de expansão da oferta de energia, que incluem as usinas nucleares, em um debate ideológico.

Algumas certezas existem no planejamento energético brasileiro: (1) o país tem perspectivas de altas taxas de crescimento econômico e de consumo de energia para a próxima década que exigirão capacidade instalada crescente de geração; (2) as restrições ambientais aos novos empreendimentos hidrelétricos levam à construção de usinas a fio d"água, sem regularização plurianual; (3) a diminuição da capacidade de regularização plurianual induz à necessidade de maior participação de usinas termelétricas na nossa matriz energética; (4) as tão faladas e citadas fontes alternativas, por mais investimentos e incentivos que recebam e mereçam, não serão capazes de, isoladamente, suprir todo o crescimento de mercado previsto; (5) linhas de transmissão caras, ambientalmente restritivas e de longa distância, cada vez mais serão necessárias para escoamento dos grandes potenciais hidrelétricos que se situam na região amazônica.

Nesse contexto, a opção termelétrica assume papel estratégico na expansão da oferta de energia no país, por permitirem sua construção mais próxima dos grandes centros de consumo e poderem ser acionadas em situação de restrição hidrológica.

Dentre as opções existentes para as fontes termelétricas: o carvão e o óleo são combustíveis altamente poluentes e têm sido preteridos, corretamente, nos últimos leilões promovidos pelo governo.

Restam as alternativas que utilizam o gás natural e a nuclear. O gás natural deverá ser abundante no Brasil com o pré-sal e se constituirá numa importante fonte energética para expansão da oferta.

A outra alternativa viável, para a expansão termelétrica no país, são as usinas nucleares.

Os países desenvolvidos e em desenvolvimento utilizam com sucesso e em larga escala a opção nuclear, pois não possuem o potencial hidrelétrico que há no Brasil.

Com a restrição crescente para grandes reservatórios, estaremos nos equiparando cada vez mais com os países que adotaram a solução termelétrica de forma mais significativa para atendimento de seu mercado.

A tecnologia utilizada para as usinas nucleares se desenvolveu significativamente nos últimos anos, desde que a Usina Angra I foi instalada. Problemas que ocorreram com usinas nucleares no mundo foram raríssimos e o exemplo de Chernobyl não deve ser usado para invocar a paralisação do programa nuclear brasileiro - esse debate já foi superado em passado recente. Three Mile Island é um exemplo válido, mas a experiência adquirida com esse incidente fortaleceu todo o sistema de segurança de usinas nucleares.

Temos agora o exemplo negativo das usinas nucleares japonesas, cujo projeto não previu a intensidade dos desastres naturais a que foram submetidas e colocaram a população japonesa em estado de alerta.

Entendemos ser um erro estratégico trazer esse exemplo para o centro do debate da viabilidade de usinas nucleares no Brasil, essencialmente pela quase inexistência de probabilidade de haver terremotos ou tsunamis por aqui.

O fator mais relevante para decisões desse tipo é que não podemos correr riscos de ocorrência de um novo racionamento de energia no país. Esse é o custo mais elevado para toda a sociedade brasileira.

A energia nuclear, em que pese restrições dos agentes ambientalistas relevantes, pode ser considerada a energia termelétrica mais limpa, menos poluente e que auxilia no combate ao aquecimento global.

Não deixemos nos contaminar por questões conjunturais que impeçam de enxergar o futuro e o longo prazo, onde a opção nuclear terá um papel relevante em nosso país.

Novamente há uma fase de debates consistentes e enriquecedores no país sobre a opção nuclear, com a participação dos mais relevantes especialistas, que certamente nos trará o contraditório e muita reflexão.

Revisões de protocolos de segurança, revisões e questionamentos de custos, economicidade de projetos, investimentos e riscos ambientais certamente estarão no centro dos debates e são temas de profunda relevância.

Tudo o que não devemos permitir é deixar que as paixões e ideologias ofusquem a realidade e nos levem a caminhos errados dos quais nos arrependeremos no futuro próximo.

José Antonio Sorge é engenheiro e vice-presidente de Gestão de Energia da Rede Energia