Título: Brechas mantêm fluxo elevado de dólares
Autor: Campos, Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 20/05/2011, Finanças, p. C2

As medidas tomadas pelo governo para conter o fluxo de recursos em direção ao Brasil já perderam boa parte do seu efeito. A avaliação é feita por participantes do mercado e os últimos dados sobre o fluxo cambial também indicam isso.

Não que as medidas sejam ruins. O fato é que sempre que o governo fecha uma porta, o mercado todo se organiza para achar uma janela. E nunca é demais lembrar que as instituições têm quantidade de funcionários qualificados e bem remunerados dedicados exclusivamente a achar essas brechas.

Cabe lembrar, ainda, que qualquer instituição que descubra como fazer isso primeiro ganha rios de dinheiro (e o inventor da inovação já passa a sonhar com o seu bônus). Depois, a prática se difunde com grande velocidade, já que não há como fazer um registro autoral ou de exclusividade de instrumento financeiro.

Além desses dois bons incentivos, o caso brasileiro tem um apelo ainda maior à busca por alternativas às barreiras regulatórias: a maior taxa de juros do mundo.

Inovação e um pouco de risco atropelam a regulação cambial

Conforme notou um economista de banco estrangeiro, há uma compulsão por arbitrar os juros brasileiros. Como o vício em alguma substância ilícita, não importa o risco, o importante é obter o que se quer.

Então, explica esse economista, quanto mais o governo tenta impedir, mais sofisticadas e arriscadas ficam as estratégias para se arbitrar esse gordo diferencial de taxa de juros.

Tal constatação coloca em xeque os dois objetivos declarados pelo governo quanto à adoção de medidas restritivas ao capital externo.

O primeiro deles, minar uma fonte de financiamento ao crédito doméstico, parece que já foi derrubado pelo discutido acima. Reforçando essa percepção estão recentes entrevistas de fontes do governo alertando que novas medidas não estão descartadas.

O segundo objetivo de tais medidas, que seria conter a exposição a risco cambial das instituições, também foi por terra. Pois tudo indica que os novos produtos financeiros utilizados para retomar a arbitragem são mais arriscados.

Esse é o problema com medidas prudenciais. Elas têm um forte impacto no momento de sua adoção, explica esse mesmo economista. Mas depois seu impacto é descrente até ficar nulo. O que obriga o regulador a estar sempre editando novas medidas. Assim, esse ciclo recomeça. Ainda mais quando o "objeto de desejo" continua sendo a taxa de juros paga pelo Brasil.

Os dados sofre o fluxo cambial ajudam a ilustrar isso. De março para abril a sobra de dólares desabou US$ 12,6 bilhões, para US$ 1,54 bilhão. Não por acaso, as duas elevações de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para captações externas ocorreram no fim de março e começo de abril. Sob essa ótica, o efeito ficou concentrado em abril, pois como se nota no gráfico em apenas 10 dias úteis de maio, a sobra de dólares já subiu a US$ 8,8 bilhões.

Avançando nesse raciocínio, o diretor-executivo da NGO Corretora, Sidnei Moura Nehme, acredita que os bancos já estão se antecipando a alguma mudança de regulação.

As instituições financeiras estão reduzindo a posição vendida em câmbio à vista e ampliando as emissões externas com prazos superiores a dois anos.

Com base nos últimos dados sobre o fluxo cambial é possível estimar que a posição vendida caiu de US$ 11,73 bilhões no fim a de abril, para cerca de US$ 6 bilhões agora em maio.

A posição vendida em câmbio pode ser vista como uma forma de se fazer caixa em reais. Pois o banco vende dólares ao BC e recebe reais em troca, que pode destinar à concessão de crédito ou qualquer outra coisa.

No entanto, esse instrumento é mais suscetível à intervenção estatal. Vale lembrar que já foi imposto um recolhimento compulsório sobre posições que ultrapassarem US$ 3 bilhões ou patrimônio de referência.

Segundo Nehme, as captações não correm tal risco, ao menos por ora. O banco se endivida conforme sua capacidade e oferta de dinheiro no mercado.

"O governo já tinha levado um drible com o IOF até um ano e agora toma outro nas captações até dois anos", diz Nehme, lembrando que uma forma de conter essas captações seria limitar a realização de operações com exposição cambial.

Vale lembrar que embora vendidos à vista, os bancos têm posição comprada no mercado futuro de US$ 11 bilhões. Essa posição comprada superior à exposição vendida à vista de US$ 6 bilhões dá uma boa dimensão de quanto os bancos podem ter captado no mercado externo nesse novo modelo de estratégia.

Cabe ressaltar que existem outras modalidades de exposição cambial dos bancos (derivativos e mercado de balcão, por exemplo), mas que não são visíveis a todo o mercado.

Eduardo Campos é repórter

E-mail eduardo.campos@valor.com.br