Título: China: por que não?
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2011, Opinião, p. A14

O objetivo dos investimentos chineses na cadeia da soja é romper a intermediação de empresas americanas". Foi com essa declaração que o Ministério do Comercio da China explicou um assunto tão palpitante e instigante nesses últimos dias: os investimentos estrangeiros no agronegócio brasileiro.

Com essa maneira oriental de dizer as coisas, a assertiva anterior é o sonho de qualquer ministro da Agricultura: o fim do intermediário no comércio agrícola, seja na alface da Ceagesp ou nas exportações do tão protegido mercado agrícola mundial. Observação consistente com recente entrevista do ex-ministro Luiz Fernando Furlan, ao referir-se às quatro traders que "mandam no mercado global".

Em primeiro lugar, como ficou claro na visita do presidente Obama ao Brasil, a defesa americana do livre comércio concentra-se claramente em produtos onde os EUA são competitivos, pois é vergonhosa a maneira como o etanol e o suco de laranja brasileiros são tratados, além de ilegal como já atestou a Organização Mundial do Comércio (OMC) no caso de nosso algodão. Especificando, o caso do etanol é um escândalo, pois os EUA insistem em cerca de 200 tipos de subsídios espalhados pelos Estados americanos para uma indústria que já não é mais principiante, com mais de 30 anos de idade, além de imporem fortes tarifas protecionistas a uma energia limpa e renovável como o etanol brasileiro e não taxarem uma energia suja e fóssil como o petróleo na entrada de suas aduanas. E isso em um país que acaba de sofrer o pior desastre ecológico da sua história no Golfo do México.

Investimentos são bem-vindos pois vão partilhar um risco que hoje fica apenas com o agricultor brasileiro

Portanto, negam o que realmente precisamos no campo: livre comércio. Assim, fica nítido que Brasil e China não precisam de agentes, mas podem, de forma direta, complementar a maior fronteira agrícola do mundo com um gigantesco mercado de crescimento acelerado e com 1,3 bilhão de bocas para serem alimentadas que vivem em uma área agricultável semelhante ao Estado do Pará. E não apenas nutridas, mas também vestidas e transportadas.

Indo adiante, nesse mundo extremamente competitivo, onde as nações não têm amigos, mas interesses, o Brasil não pode se dar ao luxo de negligenciar o acesso ao mercado chinês, objeto de desejo de qualquer empresa transnacional. Não se trata de abrirmos mão da soberania nacional, mas entender que esses investimentos no Brasil podem e devem ser bem-vindos, pois vão compartilhar um risco que hoje fica apenas nas costas do agricultor brasileiro. Ninguém pode acreditar que teremos investimento externo, hoje o melhor adubo da agricultura e tão escasso, sem a presença do investidor estrangeiro. Reforçando, o capital chinês em nossas terras pode complementar a nossa poupança interna e abrir de maneira rápida o acesso ao prato chinês. Aliás, nos dias de hoje é mais fácil pregarmos o "pratiotismo", ou um amor incondicional ao prato da comida. Explica-se: em 10 anos, o mundo exigirá uma oferta 20% maior na produção de alimentos e ao Brasil caberá a responsabilidade de suprir pelo menos 40% dessa demanda.

A grande lição deste século ainda é que o mercado livre cria progresso, não apenas porque faremos exportação de produtos que não consumiríamos, mas daqueles que não produziríamos. No caso da soja, é graças à exportação do seu farelo em grande quantidade, o que gera uma escala econômica do processo permitindo que as indústrias esmagadoras fabriquem um óleo comestível a um preço acessível e hoje a principal fritura na mesa dos brasileiros. E alguém tem duvida de que é melhor ter sócios do que credores? Relembrando José Marti, "o povo que quer morrer vende a um só povo; aquele que quer viver vende a diversos povos".

O nosso grande desafio não é a chegada desses recursos, mas empenhar a nossa criatividade para procurarmos agregar cada vez mais valor nessa cadeia produtiva. Vamos exportar frango ao invés de milho ou carne ao invés de soja. E não apenas isso, mas por que não facilitar a competição industrial, fornecendo para as nossas fábricas produtos que incorporem valores sustentáveis incomparáveis com o resto do mundo? Afinal, quem mais poderia vender um quilo de proteína animal ou vegetal produzido em fazendas com reserva legal ou proteção das matas ciliares de seus rios? Qual indústria petroquímica mundial poderia competir com o plástico verde de nossa cana-de-açúcar? Reforçando, temos aqui um grande e exclusivo diferencial a nosso favor e que deve ser explorado ao máximo no cenário internacional. Trata-se de aprender a cobrar por esses e outros imensos ativos ambientais que temos como o plantio direto na palha ou a nossa liderança incontestável no recolhimento de embalagens vazias de defensivos agrícolas.

Se a geografia nos separou, podemos, por meio de acordos e aprimoramento de nossa legislação, diminuir essa enorme distância geográfica e incrementar vigorosamente o nosso comércio bilateral. E sem receios infundados, já que não importa a destinação do produto, mas o que vale é que a realização dessa produção se dê nos campos brasileiros, gerando empregos, riquezas e progresso.

Enfim, quando falamos em China parece que temos "medo do rastro da onça, sem ver a onça". Será fácil? Não, mas sabemos que as cercas devem dividir as propriedades, mas nunca os homens. Como tem sido reiterado: o ideograma chinês que expressa a ideia de crise é o mesmo que identifica a oportunidade. Que nessa viagem da presidente Dilma à China os resultados concretos dessa nova fase da diplomacia brasileira possam descortinar essa oportunidade e endossar o pedido do pai dessa moderna e cobiçada nação, Deng Xiaoping: "Não importa a cor do gato, desde que ele apanhe os ratos". E que nesse caso, sejam felinos verdes e amarelos.

Antonio Cabrera foi ministro da Agricultura e Reforma Agrária e Secretário da Agricultura de São Paulo.