Título: Ainda na berlinda as expectativas de inflação
Autor: Sampaio, Fernando ; Borges, Bráulio
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2011, Opinião, p. A10
Desde outubro a política econômica brasileira vem sofrendo modificações importantes, de caráter tanto qualitativo como cíclico (pois a ênfase expansionista do ano passado vem sendo revertida). O aumento marcante do IOF sobre a entrada de capitais estrangeiros marcou o início das mudanças. O passo seguinte foram as medidas "macroprudenciais", que reduziram os recursos que os bancos têm à disposição para emprestar. O terceiro passo ocorreu no campo fiscal: contrariando as expectativas de parte dos analistas, no início de 2011 o governo limitou o reajuste do salário mínimo e reduziu a velocidade de expansão dos gastos primários. E também o BNDES tirou o pé do acelerador, ao anunciar que neste ano deverá conceder volume real de empréstimos cerca de 20% menor do que em 2010.
Todos sabem que não é só no Brasil que a política econômica tem mudado. Sob o impacto da crise financeira, desde 2007 as autoridades das economias desenvolvidas têm tomado medidas que em circunstâncias menos excepcionais seriam consideradas inconcebíveis. E inúmeras instituições - como o FMI - têm colocado em questão diretrizes de política econômica que recomendavam há muitos anos.
As mudanças na política econômica brasileira surgem, portanto, num contexto mundial muito particular, e muito desafiador. A política monetária nos países desenvolvidos é já há três anos ineditamente frouxa: taxas de juros básicas perto de zero e titânicas injeções de liquidez. E desde meados de 2009 está em curso um violento choque de custos primários: as commodities em geral estão no rally de alta mais prolongado e pronunciado pelo menos desde 1981.
Como seria de esperar, as mudanças na condução da política econômica no Brasil têm suscitado dúvidas e contestações. Este artigo pretende explorar apenas um dos temas que têm sido questionados - um tema, porém, fundamental: teria o Banco Central abandonado a preocupação com a evolução das expectativas de inflação?
Procuraremos explorar essa questão do ponto de vista estritamente analítico. Ou seja, evitaremos emitir pareceres normativos, por duas razões: por entendermos que a cuidadosa discriminação entre colocações analíticas e postulações normativas é sempre fundamental num debate intelectual; e porque não temos (nós, autores deste artigo) plena convergência em relação às questões normativas presentes numa discussão sobre a política monetária brasileira.
Desde que o Brasil adotou, em 1999, um sistema de metas, a evolução das expectativas de inflação dos agentes tem sido um elemento central a orientar a política monetária. O BC, ao longo desses anos, tem reagido a desvios significativos dessas expectativas em relação à meta, e também tem feito esforços visando coordená-las. É com relação ao zelo recente do BC no cumprimento dessas "tarefas" que muitos dos questionamentos têm se dirigido.
Não obstante, embora conceitualmente seja muito claro o que significam as expectativas de inflação, na prática definir e medir essa variável não são tarefas triviais. Ben Bernanke, em discurso feito em 2007, levantou as seguintes questões: a) o que significa, precisamente, "expectativas de inflação"?; b) como deveríamos medir as expectativas de inflação?; e c) como a informação sobre as expectativas de inflação deveria ser utilizada para projetar e controlar a inflação?
Existem várias formas alternativas para se medir as expectativas de inflação: as projeções de economistas (como o Focus); pesquisas realizadas junto a consumidores; informações extraídas dos preços de alguns ativos financeiros; e mesmo informações sobre precificação de algumas firmas individuais. Qual representa melhor a expectativa de inflação da sociedade?
Tão ou mais importante do que isso é entender o processo de formação dessas expectativas. Muitas vezes parte-se do pressuposto de que elas são formadas de forma estritamente forward-looking, seguindo o preceito teórico das expectativas racionais. Mas na prática pode não ser assim: diante da incerteza, muitos agentes podem julgar que o passado e o presente são os melhores previsores do futuro.
Recentemente o BC brasileiro tem se aprofundado nessa discussão - ou seja, tem realizado esforços para reduzir a sua ignorância em relação às expectativas de inflação. Evidência disso é que técnicos do Departamento de Estudos e Pesquisas divulgaram há alguns meses os Working Papers nº 214 e 227, disponíveis no site do BC.
No primeiro desses trabalhos, "Do inflation-linked bonds contain information about future inflation?", José Valentim Machado Vicente e Osmani Teixeira de Carvalho Guillen concluem que as expectativas de inflação embutidas nos preços dos títulos públicos (breakeven-inflation) são um estimador não viesado da inflação somente para os horizontes de 3 e 6 meses. Para os horizontes de 12 e 18 meses seu poder de antecipar a inflação futura é fraco; e para os horizontes mais longos foi constatada uma correlação significativa, porém negativa. A conclusão deles é de que a breakeven inflation traz pouca informação sobre a evolução futura da inflação, já que os prêmios de alongamento são muito voláteis.
No segundo trabalho, "Uma nota sobre os erros de previsão da inflação de curto prazo", Emanuel Kohlscheen conclui que as expectativas Focus apresentam características que sugerem que sua formação se aproxima mais de modelos em que as observações passadas têm maior peso (expectativas adaptativas ou rigidez de informação) do que de modelos de expectativas racionais. Ou seja: a inflação corrente e a inflação passada "explicam" muito mais as expectativas do que estas "explicam" a inflação presente.
É preocupante que informações como as que acabamos de citar estejam sendo omitidas do debate. Assim como é preocupante que o BC esteja demorando para responder de forma mais clara aos questionamentos que tem recebido.
*Este artigo se beneficiou dos comentários de Douglas Uemura e Celso Toledo.
Fernando Sampaio economista com pós-graduação pela Unicamp, é diretor de Macroeconomia da LCA Consultores.
Bráulio Borges, mestre em Economia pela USP, é economista-chefe da LCA.