Título: Emergentes pedem fim de pensamento único no FMI
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2011, Internacional, p. A11

Alex Ribeiro | De Washington A briga pelo fim do monopólio europeu na direção do Fundo Monetário Internacional ganhou mais destaque devido à prisão de Dominique Strauss-Kahn, mas o Brasil e outros países emergentes vem travando nos bastidores uma batalha tão ou mais importante para arejar o pensamento econômico e assegurar mais diversidade ao corpo técnico do FMI. Alguns dias antes de Strauss-Kahn ser preso, o FMI discutiu um relatório, divulgado recentemente, que aponta que 60% dos cargos de chefia no organismo são ocupados por técnicos de economias avançadas que falam inglês - Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Irlanda. O Brasil e a Colômbia, por exemplo, não ocupam nenhum cargo de chefia no corpo técnico.

Na teoria, o alto comando do FMI, com um europeu no topo e um americano no segundo cargo, dá a palavra final nas políticas do órgão, junto com a diretoria-executiva, formada por representantes de 24 grupos de países. Mas, na prática, o corpo técnico, formado por 1.304 economistas e outros 1.117 especialistas, define boa parte das políticas dos organismos.

Chefe de missões do FMI nos anos 80, a chilena Ana Maria Jul, por exemplo, é até hoje muito mais lembrada no Brasil do que o então diretor-gerente do FMI, Jacques de Larosière. No fim dos anos 90, no governo Fernando Henrique Cardoso, a italiana Teresa Ter-Minassian negociou, com mãos de ferro, um programa de ajuste ao Brasil e ficou mais conhecida que seu chefe, Michel Camdessus.

O corpo técnico representa a memória na orientação econômica do FMI que, para muitos países emergentes, ainda está bastante contaminada pelo pensamento do chamado Consenso de Washington, que entre outras coisas propunha a liberalização comercial, desregulamentação financeira e abertura das contas de capitais.

Nas suas negociações para definir o voto brasileiro na sucessão do FMI, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem deixado claro aos candidatos que gostaria de ver mais diversidade de nacionalidade e de pensamento econômico entre os técnicos do organismo.

O FMI passa por uma profunda revisão do seu pensamento econômico, em boa parte por iniciativa de seu economista-chefe, Olivier Blanchard. Uma das novidades foi a aceitação do uso de controles de capitais para lidar com fortes fluxos de capital estrangeiro. Mas esses novos ares demoram para se espalhar para outras áreas do Fundo, como aquelas que desenham programas de socorro aos países.

Uma auditoria externa no FMI, divulgada em fevereiro, mostrou que ele falhou na prevenção da crise econômica recente por falta de arejamento no seu corpo técnico. Segundo o relatório, o organismo sofre de uma mazela conhecida como "pensamento de grupo", ou seja, uma certa miopia intelectual para observar problemas de ângulos diferentes porque todos raciocinam de forma semelhante.

"O problema da falta de diversidade não se limita ao cargo número um", afirma do diretor-executivo no FMI para o Brasil e outros oito países da região, Paulo Nogueira Batista Júnior. "Essa é apenas a ponta do iceberg", diz ele, esclarecendo que emite opiniões em caráter pessoal, não em nome do FMI.

Segundo Nogueira Batista, dos 22 chefes de departamento do FMI, só seis são de países emergentes, ou nove, caso sejam considerados funcionários com mais de uma nacionalidade. "Seria possível fazer um organograma do FMI com menos de 20 bandeiras", afirma.

Desde a década de 90 o FMI tem um programa para ampliar a diversidade no corpo técnico e nos cargos de chefia. Houve alguns avanços nos últimos anos, mas a opinião do Brasil e de outros países emergentes é que esse processo ainda está bem longe do ideal.

O problema não é só de diversidade na nacionalidade, diz Nogueira Batista, mas sobretudo diversidade e independência de pensamento. Economistas de países emergentes podem se mostrar menos propensos a desafiar o pensamento econômico dominante do que nomes de países avançadas por causa de sua formação acadêmica ou experiência profissional.

Hoje, 63% do corpo técnico do FMI com doutorado obteve o título em universidades americanas. Em seguida, vem o Reino Unido, com 9,2%, e a França, com 3,2%. O país emergente mais bem posicionado é a China, com 0,6%. Universidades dos EUA respondem por 40,2% das graduações e 49,4% dos mestrados. Só 1,9% dos funcionários se gradua no Brasil e 0,8% obtém mestrado.

O FMI recruta os novos quadros em 50 universidades, sendo 15 nos EUA, 24 na Europa, 15 na Ásia, 6 na África e 4 no Reino Unido. Não há nenhuma universidade da América Latina na lista. As universidades americanas incluem MIT, Yale, Chicago, Princeton e Harvard.