Título: Crise grega ainda está à procura de uma solução
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2011, Opinião, p. A14

Era só uma questão de tempo até que a crise grega, mitigada por um enorme pacote de ¿ 110 bilhões (cerca de US$ 150 bilhões), voltasse a agitar os mercados. Quase um ano depois, ela continua insolúvel dentro dos estreitos figurinos em que as soluções foram buscadas. E apesar disso, há os mesmos dilemas que envolvem o salvamento grego e as mesmas vacilações iniciais que propiciaram uma demora prejudicial até que o dinheiro fosse oferecido. É praticamente impossível que a Grécia se recupere sem que haja um calote de proporções razoáveis na dívida privada ou que sua dívida seja assumida pelos governos europeus e retirada do mercado, algo que as divergências demonstradas até agora a respeito do salvamento da Grécia indica que não está prestes a ocorrer.

Seja como for, o esquema tradicional de socorro, adotado após meses de indecisão, não funcionou, como vários analistas disseram que não funcionaria. A dose de sacrifício exigida da Grécia, que acumulou uma dívida externa maior que seu Produto Interno Bruto (PIB) e um déficit público superior a 13% do PIB, é brutal e parece ter chegado a um ponto politicamente insuportável para o governo grego. Os partidos já não concordam com novas medidas de austeridade e, em alguma medida, estão certos. Era previsível que as receitas do Estado caíssem com os cortes de gastos que produziram dois anos de recessão e devem produzir outros mais. O resultado é que a Grécia não tem condições de garantir sua volta ao mercado nos próximos 12 meses e, sem essa garantia, o Fundo Monetário Internacional (FMI) não poderá conceder mais uma fatia de US$ 13,6 bilhões do pacote de socorro.

A Grécia precisa de mais recursos. Alguns governos europeus, como o alemão, acham que seria importante que, mesmo voluntariamente, os bancos privados alongassem os prazos dos débitos gregos, sem que fossem obrigados a mexer no principal e nos juros - sem deságios, enfim. A hipótese aterroriza o Banco Central Europeu (BCE), que argumenta que se isso ocorrer os títulos soberanos gregos não poderão ser usados como colaterais para injetar liquidez nos combalidos bancos gregos. Com isso, segundo o BCE, a catástrofe seria certa.

Mas o fato é que os títulos gregos têm curso forçado como colateral porque estão sendo sustentados pelo dinheiro do BCE e do Fundo de Estabilização, no qual entra o FMI. Seus rendimentos, que caíram ontem, estavam em torno de 15,7%, algo inimaginável para um país da zona do euro. Sem apoio oficial, viram pó.

Um dos balões de ensaio sobre o novo pacote de ajuda em gestação indica que os governos europeus estariam perto de uma intervenção direta, determinando possivelmente o nível de impostos, o montante do plano de privatização e os ativos que seriam vendidos. Seria obter à força aquilo que a União Europeia precisaria ter, não tem e talvez nunca tenha: uma união fiscal. Obviamente, alguns governos aplaudiriam a punição aos gregos, mas o precedente deixaria outros governos em rebelião aberta, ampliando as possibilidades de dissolução do bloco.

Não há saídas fáceis ou indolores. Há quem sugira a criação de um Plano Brady para a Grécia. O plano pressupunha uma troca de títulos com abatimento do principal ou dos juros ou uma combinação de ambos, com novas garantias de pagamento, risco compartilhado pelos bancos, acompanhado em geral de um programa de reformas econômicas. De qualquer forma, ele envolveria perdas de curto prazo para os credores, públicos e privados. Nessa altura, teria de ser estendido a Portugal e Irlanda, pelo menos, e envolveria então dúvidas sobre a saúde financeira das instituições financeiras credoras.

Tendencialmente, a União Europeia exige aos poucos o amortecimento da soberania nacional, passo que gera a mais violenta resistência dos Estados. Assim, o teste da crise grega é também uma questão política de primeira instância no bloco - seria preciso salvar a Grécia como membro da união monetária, queira ela ou não. A saída da Grécia da zona do euro traria uma crise ainda mais aguda para os gregos. Martin Feldstein, ex-presidente do Conselho de Assessores de Reagan, propõe isso como forma de resolver a falta de competitividade do país, o que exigiria desvalorização cambial e corte de salários. A Grécia pode fazer isso sozinha, pagando um alto preço, ou dentro da UE, com boa parte do alto custo compartido por todos os governos.