Título: Em meio a críticas, sai licença de Belo Monte
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2011, Empresas, p. B11

Uma das maiores e mais polêmicas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, obteve ontem a licença de instalação concedida pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) em meio a críticas generalizadas de ONGs ambientalistas e ameaças de embargo do Ministério Público Federal no Pará.O presidente do Ibama, Curt Trennepohl, defendeu de forma veemente a autorização para o início das obras, cujo canteiro principal terá sede em Altamira (PA). "Temos segurança técnica e jurídica para dizer que é ambientalmente sustentável porque retrata o que é necessário para minimizar impactos negativos e otimizar impactos positivos", disse. O executivo foi interpelado por dirigentes de quatro ONGs presentes ao anúncio com protestos e pedidos de explicações detalhadas sobre o processo de licenciamento. E reagiu contrariado: "Estamos convencidos da higidez técnica e jurídica do processo. Se houver questionamentos judiciais, estamos preparados", disse. Sob reserva, um integrante da cúpula do Ibama admitiu ao Valor: "O Ministério Público vai vir "babando" para cima da gente".

"Há muitas coisas sendo feitas, não dá para dizer que nada está sendo feito. Mas está longe do compromisso que foi assumido quando a licença-prévia foi liberada", diz Marcelo Salazar, coordenador adjunto do Programa Xingu do Instituto Socioambiental (ISA), baseado em Altamira. "A lógica de ter condicionantes prévias ao processo de liberação da licença de instalação é justamente para preparar a região para o impacto de uma obra deste porte."

Salazar lembra que no processo de Belo Monte existem três blocos diferentes de condicionantes. Ao todo, somam 81. Destas, 40 são os pré-requisitos sócio-ambientais definidos pelo Ibama, 26 são demandas indígenas que a Funai encaminhou ao Ibama e o órgão ambiental acatou. Por fim, no momento da licença de instalação do canteiro de obras entraram mais 15 condicionantes.

No Palácio do Planalto, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, reforçou a posição do Ibama ao garantir que a usina iniciará a operação em 2015, como fixado no contrato de concessão. "Desejávamos que tivesse sido concedida há mais tempo, pois daria seguramente folga para a execução das obras. Tendo sido concedida agora, vamos ainda aproveitar a janela hidrológica", disse Lobão ao referir-se ao período de estiagem. O ministro evitou compromisso para antecipar o prazo de fornecimento de energia, o que poderia gerar ganhos adicionais aos empreendedores da Norte Energia.

A diretora de Licenciamento Ambiental do Ibama, Gisela Forattini, disse ter "orgulho" de assinar a licença a Belo Monte. "É um orgulho a licença como foi feita. Fizemos coisas inéditas como seminários, e não foi fácil. Foi um trabalho árduo. É uma produção técnica responsável e séria", afirmou. O tamanho do reservatório, segundo ela, foi reduzido de 1.200 km2 para 516 km2. O Ibama optou por gerar menos energia e reduzir impactos ambientais, disse Gisela.

Mas o Ibama admitiu o aumento do período de seca e prejuízos à navegação na região. "O período (de seca) será prolongado por um tempo maior, por dois ou três meses. A navegação será mais dificultosa, vai ter interferência que podem ser minimizadas com canais", disse o coordenador-geral de Infra-Estrutura de Energia Elétrica, Adriano Arrepia de Queiroz.

Gisela informou que a instituição continuará a acompanhar o desenrolar das obras. "O trabalho não para por aqui. Temos uma equipe exclusiva que continuará a acompanhar Belo Monte. Nem depois da LO (licença de operação) deixaremos de acompanhar", afirmou. E emendou: "O não cumprimento implica na suspensão da licença. Todos (os pontos) são sine qua non".

Salazar destaca que as condicionantes ilustram a complexidade da região e a carência amazônica. Por exemplo, há o compromisso em desobstruir várias terras indígenas - o que significa resolver o complicado conflito entre colonos e invasores, gente de boa e má fé, em terras reservadas a povos indígenas. Em apenas uma delas, a Terra Indígena Cachoeira do Iriri, existem pelo menos duas mil pessoas ali que não são índios.

Outra condicionante diz que o empreendedor terá que suprir 100% dos sistemas de saneamento básico do município. Altamira tem, pelo último Censo, 107 mil pessoas e a obra deverá atrair 96 mil. A rede de água e esgoto, quando não é precária, é inexistente. "A fonte de informações do Ibama é a própria empresa, não existe uma fonte independente de fiscalização do que vem sendo feito. É uma obra de governo e quem fiscaliza é o próprio governo. Há um conflito de interesses sério aí", diz Salazar.

A cúpula do Ibama garantiu que a concessionária cumpriu todas as imposições estabelecidas até agora. "Todas as 40 condicionantes estão cumpridas", disse Trennepohl. Ele afirmou que foram cumpridas "23 das 40" exigências ambientais porque algumas "foram resolvidas" durante o processo. "Outras novas surgiram. É um processo dinâmico. Se a condicionante não está cumprida, não significa que estabilize. Aos pontos não atendidos, são providenciadas soluções." Trennepohl afirmou que a Funai fez "trabalho considerável" para preservar direitos indígenas. "Não havia óbices", disse.

Mais cedo, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, afirmou que o governo está tomando "todas as precauções" para evitar eventual paralisação das obras em razão de problemas trabalhistas como nas rebeliões das usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira (RO). "Pelo que já foi apresentado até agora, estamos muito seguros de que serão criadas condições bastante adequadas de trabalho."

Lobão também comentou a saída de integrantes do grupo vencedor do leilão da usina. "Há uma fila de pretendentes", afirmou. (Colaborou Daniela Chiaretti, de São Paulo)