Título: Crise suspende votação no Senado e MPs caducam
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2011, Política, p. A10

De Brasília

Com manobras regimentais de obstrução, a oposição conseguiu impedir a votação de duas medidas provisórias até a meia noite de quarta-feira, fazendo com que ambas perdessem a validade. Uma criava a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares e a outra aumentava o valor da bolsa paga aos médicos-residentes. Ontem, governistas e oposicionistas culpavam uns aos outros pelo resultado.

Na mesma sessão, marcada por tumultos e bate-bocas, a maioria governista conseguiu aprovar uma MP com mais de 56 artigos - pelo menos 27 deles desconexos -, que fora bombardeada durante seis horas por senadores da oposição.

PSDB, DEM e aliados protestavam contra a diversidade de assuntos incluídos e contra a falta de tempo para o Senado discutir a proposta - o que tem acontecido sistematicamente. Os governistas aprovaram a MP por 43 votos a favor, 17 contra e 3 abstenções. A oposição chegou a encomendar pizzas, servidas na sala onde é servido o cafezinho dos senadores.

Ontem, na ressaca da tensa sessão da véspera, o líder do PT, Humberto Costa (PE), fez uma declaração de guerra à oposição, responsabilizada por ele pela derrubada das MPs. "A oposição desrespeitou a senadora Marta Suplicy (PT-SP), que presidia a sessão, rasgou o regimento. Agridem, criam tumulto e querem se fazer de vítimas. Se for paz, será paz. Se for guerra, será guerra", disse, irritado.

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e até o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), manifestaram insatisfação com o fato de a Câmara consumir quase todo o prazo de tramitação das medidas provisórias. "Não é possível o Senado receber MPs dessa complexidade faltando dois ou três dias para acabar sua validade. É impossível, é um desrespeito com a Casa", disse Jucá.

Sarney voltou a defender a aprovação de proposta de emenda constitucional (PEC) de sua autoria que muda o rito de tramitação das MPs, dividindo o tempo entre Câmara e Senado. "Não há quem possa pensar que em apenas três dias possa digerir todas as matérias constantes nas várias medidas provisórias."

Como resultado da confusão de quarta-feira, o PT retirou apoio à proposta. A PEC de Sarney está em fase de discussão no plenário, mas o governo é contra o substitutivo de Aécio Neves (PSDB-MG), que cria uma comissão encarregada de examinar a admissibilidade da MP, com poder para recusá-la. Como foram apresentadas emendas à proposta nessa fase de plenário, a PEC voltará à análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). "Vamos buscar um texto que atenda aos interesses do governo", disse Costa.

Entre os assuntos tratados na MP aprovada, um deles foi a prorrogação, por mais 25 anos, da Reserva Global de Reversão (RGR), que seria extinta no final de 2010. A RGR foi criada em 1971 e desde então vem sendo prorrogada. Os recursos são destinados a vários programas na área de energia elétrica, como a expansão da distribuição de eletricidade em áreas rurais e urbanas de baixa renda e de geração de energia a partir de fontes eólica, solar, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas.

A MP 520/2010, derrubada na quarta-feira, autorizava o Executivo a criar a empresa pública (Ebserh) para administrar os 45 hospitais universitários, unidades hospitalares e a prestação de serviços de assistência médico-hospitalar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Uma empresa cuja necessidade e formatação o governo não conseguiu explicar ao longo de toda a sua tramitação. "Retirar o hospital-escola do seio da universidade e deslocá-lo para outra entidade da administração indireta vai de encontro aos pressupostos constitucionais que garantem a indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, nas universidades públicas brasileiras", disse Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).

A outra MP que perdeu a validade (521/2010) aumentava o valor da bolsa paga ao médico residente, mas estava também lotada de assuntos desconexos. Instituía regime diferenciado de contratações públicas e prorrogava o prazo de pagamento da gratificação de representação de gabinete e da gratificação temporária para servidores ou empregados requisitados pela Advocacia Geral da União.

O Democratas divulgou nota explicando a posição do partido na sessão de quarta-feira e culpando os governistas. "No caso da MP 521, o DEM considerava urgente e relevante. Não conseguiu aprová-la devido aos erros de condução políticas da própria base governista", diz a nota.

A nota relata que o líder do governo fez acordo com a oposição para inversão de pauta, para possibilitar a aprovação da MP 521, que ampliava o valor das bolsas para médicos residentes - que, no mérito, tinha apoio de todos.

No entanto, a relatora da MP 520, da empresa pública, Gleisi Hoffmann (PT-PR), não aceitou o acordo. Houve nova tentativa de Jucá, faltando 15 minutos para meia-noite, e o líder do PT rejeitou. O resultado foi a derrubada das duas.

Como elas foram editadas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano passado, a presidente Dilma Rousseff pode editar novas MPs sobre os mesmos assuntos. Pelo menos com relação ao aumento da remuneração dos médico-residentes, isso vai acontecer, segundo Jucá.