Título: Sinais contraditórios no mercado de crédito
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2011, Opinião, p. A14

O comportamento do crédito está deixando intrigados os analistas financeiros. Para alguns, os números de abril indicam que as medidas macroprudenciais e a elevação da taxa básica de juros estão segurando o crédito; já outros avaliam que os empréstimos continuam aumentando e que o Banco Central (BC) não conseguirá limitar o crescimento das operações entre 13% e 15% neste ano, como pretende seu presidente, Alexandre Tombini, para conter a inflação.

Para segurar o consumo das famílias e, portanto, a inflação, o governo vem tomando algumas medidas desde o fim do ano passado, como exigir capital extra dos bancos para os financiamentos de longo prazo para pessoas físicas, como a compra de veículos. Além disso, aumentou os recolhimentos compulsórios dos bancos e elevou o IOF dos empréstimos tomados por pessoas físicas.

Os dois lados não deixam de ter alguma razão. Assim como na fábula do elefante e dos cegos, em que cada um tem uma imagem bem diferente do animal conforme a parte apalpada, a avaliação da tendência do crédito pode divergir substancialmente de acordo com o dado examinado.

O estoque total do crédito atingiu R$ 1,776 trilhão em abril, subindo 1,3% em abril, 4,1% no ano e 21% em doze meses. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), o saldo do crédito subiu de 46,5% para 46,6% entre março e abril. Os dados do crédito para as pessoas físicas não se diferenciam muito: o estoque cresceu 1,1% em abril, 4,1% no ano e 18,2% em doze meses.

Esses números não diferem muito do ano passado, quando o crédito cresceu 20,6% e indicariam que as medidas tomadas pelo governo para refrear o crédito teriam tido impacto praticamente nulo.

Mas, ao divulgar os dados, o Banco Central (BC) preferiu chamar a atenção para o comportamento deste ano. Os 4,1% de aumento no quadrimestre do estoque total e das operações com pessoas físicas anualizados indicam que o crédito pode fechar o ano com crescimento ao redor de 13%, dentro, portanto, da margem pretendida por Tombini.

A conta, porém, não é simples assim. Há fatores sazonais que influenciam o crédito, que sempre cresce mais no segundo semestre por causa das festas de fim de ano. Levando em consideração os mesmos dados, consultorias respeitáveis afirmam que o crescimento do crédito para pessoa física deveria cair pela metade nos próximos meses para fechar o ano nos limites idealizados pelo BC.

Em se tratando de crédito, porém, muitas vezes o estoque cresce apenas pela apropriação dos juros devidos, mesmo que nenhum novo centavo tenha sido emprestado. Mais preciso para avaliar uma tendência é, portanto, examinar as novas concessões e evitar as distorções causadas pelas diferenças de dias úteis de cada mês.

De acordo com esse critério, o crédito para pessoa física continua aquecido. As concessões médias diárias de crédito para a pessoa física cresceram 8% em abril, acumulando 17,5% no ano e 15,7% em doze meses. O que é espantoso é o aumento das operações mais caras para o tomador. A concessão média diária de crédito por meio do cartão cresceu 17,9% em abril, acumulando aumento de 39,1% no ano e 26,9% em doze meses. O cheque especial, igualmente salgado, registrou expansão de 5,3% nas concessões médias diárias de abril, de 20,3% no ano e de 13,6% em doze meses.

Já o crédito total cresce em ritmo um pouco menor. As concessões médias diárias para pessoas físicas e jurídicas aumentaram 7,1% em abril, 11,4% no ano e 14,7% em doze meses. Um dos motivos é a freada nas operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma das linhas de menor expansão neste ano. O crédito do BNDES cresceu apenas 0,2% em abril, 1,8% no ano e 23,3% em doze meses.

Não se pode, porém, dizer que as medidas do governo não tiveram efeito nenhum. Os juros subiram para o maior patamar em dois anos. A taxa média de crédito aumentou 4,8 pontos percentuais desde o fim do ano passado, para 39,8% ao ano em abril - o que explica o aumento da inadimplência. Nas linhas para pessoas físicas o aumento foi maior, de 6,2 pontos percentuais, para 46,8%; e para pessoas jurídicas, de 3,2 pontos, para 31%.

Mesmo bem mais caro, o crédito cresce, provavelmente insuflado pelo aumento do emprego e da renda. Não fosse pelos juros mais elevados, o estoque do crédito seria provavelmente bem maior.