Título: É hora de emergente ajudar países em crise
Autor: Pinto, Lucinda
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2011, Finanças, p. C8

De São Paulo

Devido à sua grande experiência em manejar e superar crises, um representante de um país emergente está mais habilitado para assumir o comando do Fundo Monetário Internacional (FMI) e conduzir o processo de recuperação da economia global que está em curso. Esse o foco do discurso adotado pelo mexicano Agustín Carstens em sua primeira visita de "campanha" feita a um país emergente.Poucos minutos antes de deixar um charmoso restaurante de comida típica brasileira no bairro dos Jardins, em São Paulo, Carstens falou, em tom calmo, sobre sua confiança na possibilidade de ser o primeiro diretor-gerente do FMI de um país não desenvolvido.

"Emergentes têm mais experiência em manejar crises. Vivemos todos os ciclos da crise: conhecemos sua origem, sabemos como resolvê-la e como entrar em um processo de crescimento sustentável após a crise, como ocorreu com o Brasil, México e países da Ásia. Temos experiência em crise sob todos os pontos de vista", afirmou, enquanto degustava um "mix" de doces típicos brasileiros - cocada de forno, bananada, tortinha de Romeu e Julieta e tortinha de castanha de caju - acompanhado de uma xícara de café.

Em oposição ao argumento utilizado a favor da candidatura da francesa Christine Lagarde, de que a União Europeia teria mais "legitimidade" para assumir o comando do Fundo por ser a região que hoje mais recebe ajuda financeira, Carstens afirmou que os latino-americanos receberam ajuda do FMI por anos sem contar com a representação de um diretor. "Se os europeus podem ajudar os latino-americanos, por que os latino-americanos não podem ajudar os europeus?", disse.

Depois do Brasil, Carstens tem visita agendada para a Argentina, Índia, China e Japão. No Brasil, Carstens não conseguiu compromisso de voto do ministro Guido Mantega - situação que ele tentou contemporizar, dizendo que apenas após a data final para propostas de candidatura, dia 10 de junho, é que os países devem tomar uma decisão. Afinal, diz ele, em um processo baseado em debate de ideias, é preciso conhecer primeiro as opiniões e propostas de todos os participantes do pleito.

Mesmo sem a sinalização positiva por parte do governo brasileiro, Carstens insiste que suas propostas estão completamente alinhadas com as do Brasil. "Queremos maior presença no Fundo, uma maior participação nas quotas. Queremos uma maior diversidade do staff, estamos de acordo de que haja liberdade dos países para tomarem medidas em termos de controle de capital. Queremos continuidade nas reformas que foram iniciadas no FMI. Então, não há nenhuma diferença tão grande entre a posição do Brasil e do México", afirmou.

Na questão cambial, fonte ainda de preocupação no mundo, Carstens também indicou posição em concordância com o Brasil. Embora adote uma política muito mais livre do que a brasileira, o presidente do BC mexicano afirma que a estratégia de acumulação de reservas adotada pelo Brasil, China e, em menor intensidade, pelo México, é saudável e necessária, diante da forte liquidez existente no mundo, fruto da política monetária frouxa que vigora nos países desenvolvidos. "É importante que países emergentes tenham instrumentos e recursos para enfrentar uma eventual mudança de direção do fluxo internacional", afirma.

A perspectiva para a reversão desse fluxo, entretanto, não é de curto prazo. Carstens acredita que, nos próximos 18 meses, a política monetária nos EUA será frouxa. "Levará tempo para que haja recuperação do mercado de trabalho nos EUA, para que se recuperem as vendas, para que as riquezas das famílias americanas se recomponham. Então, espero que somente em 2013 haverá maior restrição monetária nos EUA e, até lá, o sistema não se normalizará", diz.

Outro ponto importante a ser observado nos próximos meses é a política cambial da China, que "dificulta a concorrência com os produtos" chineses. Ele defende que o Fundo busque uma solução cooperativa, em discussões graduais, para que a China se convença de que permitir a livre flutuação do yuan é a melhor decisão e que outros países ajudem com outras medidas para suavizar o ajuste. Para ele, e desejável que essas mudanças ocorram na próxima década.