Título: China quer indicar o número 2 do FMI
Autor: Moreira, Assis ; Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2011, Internacional, p. A7

De Genebra, Brasília e Washington A China não quer brigar agora por um candidato de país emergente para a direção-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), o que reduz bastante as chances de um candidato desse grupo e abre mais o caminho para a ministra francesa das Finanças, Christine Lagarde, segundo altas fontes.

Pequim quer, em contrapartida, emplacar um chinês como o número 2 do fundo, quando o americano John Lipsky deixar o posto em agosto, pelo que sinaliza em círculos restritos da governança global. Isso significa ter de negociar sobretudo com os americanos, que por uma regra não escrita de divisão de poder sempre tiveram o segundo cargo do fundo. Só que também isso está sendo questionado diante da nova relação de forças na economia mundial. Uma alta fonte nota que os americanos detêm o comando do Banco Mundial e não podem querer tudo.

Os representantes dos Brics no FMI - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - se reúnem hoje em Washington para discutir a sucessão no fundo. O grupo (sem a África do Sul) tem apenas cerca de 11% dos votos, contra 30% da Europa e 17% dos EUA.

As posições parecem diferenciadas no grupo. A África do Sul quer explicitamente um representante de país emergente. A expectativa do governo brasileiro é de ver sair de um país emergente o sucessor de Dominique Strauss-Kahn, mas não veta nome de outro europeu. Privilegia a escolha de uma pessoa "altamente qualificada, com sólida formação técnica e política, bem como experiência em cargos oficiais de alto nível", como afirmou o ministro Guido Mantega na semana passada.

Segunda maior economia do mundo, a China se manifestou através do presidente do Banco Central, Zhou Xiaochuan, para cobrar para os emergentes maior representação "no topo da administração" do fundo, mas cuidadosamente sem falar da direção-geral.

Durante a administração de Strauss-Kahn, a China obteve a nomeação do economista Zhu Min como assessor especial do diretor-geral. E seria ele o candidato ao posto de número 2. Min participa de todas as reuniões centrais do fundo, mas tem menos influência do que tinha o brasileiro Murilo Portugal, que era até recentemente o terceiro na hierarquia do FMI.

O prazo para os países apresentarem candidatos dura três semanas e, nesse período, o Brasil deverá negociar com EUA, europeus e outros emergentes. Em jogo, estaria não apenas a indicação do novo chefe do FMI, mas também o conteúdo programático da nova gestão e a escolha de outros cargos do alto escalão. Nesse cenário, certas fontes não excluem que o Brasil também poderia querer ter um candidato para o segundo posto do FMI.

Não há veto brasileiro ao nome de um outro europeu para substituir Strauss-Kahn, mas Brasilia quer firmar a posição política pelo fim da alternância de nomes da Europa para o comando do FMI e dos EUA para o Banco Mundial. A expectativa do governo brasileiro é de ver sair de um país emergente o sucessor de Strauss-Kahn, depois da recusa do ex-ministro da Fazenda da Turquia Kemal Dervis, que não tem apoio de seu governo.

Sobretudo, o Brasil quer que o processo seja transparente, sem a hipocrisia de um anúncio com semelhante promessa e o posterior aparecimento de um candidato decidido nos bastidores por americanos e europeus. Europa e EUA podem decidir a eleição apenas com os votos dos aliados habituais Canadá e Japão.

Ganha força em Brasília apoio a um forte nome da Índia. Um cogitado é o do atual vice-presidente da poderosa Comissão de Planejamento da Índia, Montek Singh Alwallia, conforme fonte de Brasília. Alem da familiaridade com a cúpula do sistema financeiro internacional, tem duas características muito estimadas aos olhos ocidentais: é formado por Oxford, e fala inglês perfeitamente.

Os apoios na Europa se multiplicam para Christine Lagarde, agora mais explícitos pela Grã-Bretanha e Alemanha. Mas o ministro belga das Finanças, Didier Reynders, declarou-se também interessado no cargo.

Em Washington, uma fonte de um organismo multilateral pondera que Lagarde segue uma orientação econômica bastante conservadora. "Diria que é mais provável o Brasil apoiar um emergente conservador do que um europeu conservador, até porque ainda não apareceu nenhum nome de um europeu reformista", afirmou.

A França, liderada por Lagarde, insiste na criação de um código de conduta para os controles de capitais, algo combatido pelo Brasil. Também é uma defensora da rápida consolidação fiscal em países da Europa sem problemas para rolar suas dívidas, como Alemanha, França e Reino Unido.

O Brasil defende a tese de que os países desenvolvidos deveriam manter medidas de estímulo fiscal em vez de usar instrumentos não convencionais de política monetária, considerados um dos principais motores dos fortes fluxos de capitais aos países emergentes.

O que o governo brasileiro descarta é a ideia de um "mandato tampão", levantada nos últimos dias. É atribuída aos americanos a pressão pela eleição de um interino, europeu, para concluir o mandato de Strauss-Khan, que terminaria em setembro de 2012.

A situação delicada na economia mundial, com a necessidade de séria negociação das dívidas de países da Europa, é um dos motivos pela insistência dos europeus por um nome do velho continente. Mas, por essa mesma razão, não é recomendável ter um interino responsável por uma instituição essencial para o combate à crise, argumenta um assessor da presidente Dilma Rousseff.

Mantega quer entrar em contato com todos os ministros do G-20, para evitar que a sucessão de Strauss-Khan fique a cargo apenas das autoridades europeias e americanas. Não há avaliação das chances de assegurar um nome dos países emergentes para dirigir o FMI, e a negociação está apenas começando.