Título: Regulação e o consumo das massas
Autor: Saddi, Jairo
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2011, Opinião, p. A9

O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, fez há poucas semanas um apelo a favor da poupança nos seguintes termos: "Se o brasileiro quiser adiar o consumo presente para consumir mais à frente, este é o momento de fazê-lo." Sua frase pode ser interpretada de duas maneiras, considerando-se o debate da regulação: primeira, o momento do sacrifício atual é agora, já que a todos se impõe a restrição de consumo, para o bem maior e geral.

Segunda, hipoteticamente, para aqueles que desejarem se privar do consumo atual, o futuro poderá apresentar uma alternativa melhor, já que com menor pressão sobre preços e oferta, o consumidor tenderá a obter maiores vantagens para a compra.

Como se sabe, a ciência econômica se ocupa, por um lado, da capacidade de produzir bens e serviços (ao conjugar os fatores de produção e os recursos existentes da renda que um país gera como produto social) e, por outro, da satisfação das necessidades dos agentes econômicos, que, quando concretizados, denominam-se consumo. Quando a autoridade monetária conclama todos a refrearem sua propensão a consumir em razão das ameaças inflacionárias que pairam sobre nós, com um índice de até 7% para os próximos 12 meses, a pergunta imediata é: quais são as razões por trás de tal apelo? Para respondê-la pode-se pensar que a demanda excessiva de consumo faz com que uma oferta escassa de bens se torne ainda menos acessível, trazendo como consequência uma escalada nominal de preços, que acaba por causar uma erosão no poder real de compra, mal que se conhece como inflação.

O Banco Central, como guardião da estabilidade da moeda, precisa preservar o seu valor de compra - esse é o seu mandato. A inflação é o mal maior que destrói a realidade - mantendo, contudo, as falsas aparências, no dizer de Andre Malraux. Estável nos últimos anos, a inflação parece querer voltar a recrudescer, o que, por sua vez, eleva as expectativas da sociedade quanto à remarcação dos preços dos bens e serviços.

Há, contudo, uma segunda indagação, necessária e suficiente: O Banco Central possui os instrumentos para deter a fúria consumista que invade a sociedade? Ou em outras palavras, será que Tombini consegue fazer da ameaça a sanção ao transformar um apelo em um incentivo mais convincente? As dúvidas do sucesso dessa empreitada são muitas, mas ao menos há uma certeza em relação à forma: não há outros instrumentos na praça além da política monetária e da regulação financeira.

Com juros, o mecanismo é clássico: a propensão a poupar é maior com taxas de juros mais altas resultando na inibição do consumo. No Brasil, há décadas campeão mundial das taxas de juros elevadas, o efeito é perverso, já que aumenta a dívida pública federal e acaba por transformar a vontade de esfriar o consumo em verdadeira pneumonia econômica. Por sua vez, há sempre a regulação macroprudencial para tentar obter o mesmo resultado sem escalar as taxas de juros para níveis ainda mais olímpicos.

Kenneth Rogoff, da Universidade de Harvard, indagado se a crise levou a uma revisão do papel contracíclico do Banco Central, alega que toda e qualquer regulação macroprudencial (ou seja, a imposição de restrições a crédito, oferta de moeda que se faz fora do âmbito da política monetária - e de juros), historicamente é muito difícil de realizar e tende a ser relaxada quando tudo o mais acalma e vai bem. Ou seja, aumentar tributos, compulsório, restrição sobre crédito etc. é sempre um ideário difícil de adotar na prática, sem provocar efeitos perversos em épocas relativamente neutras como as atuais.

Finalmente, o diagnóstico se completa com o quadro geral do emprego. Para as intenções atuais ou futuras de consumo, a perspectiva da utilização social do trabalho se impõe. Com o nível pleno do emprego, o consumo global está sujeito à ampliação dos investimentos produtivos - e aí, mais uma vez, depende-se de crédito, que, por sua vez, entre outras variáveis, sofre o impacto direto das taxas de juros.

Segurar o consumo depende muito mais de conjuntura do que de regulação. O consumo determina e é determinado pela distribuição setorial das atividades produtivas e da alocação produtiva dos recursos escassos da economia. A regulação pode criar incentivos, mas de forma indutiva. Qualquer outra ideia sobre o assunto é intervenção pura e simples, e em geral, como vimos há anos na história deste país, não funciona.

Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, professor de Direito do Insper, escreve mensalmente às segundas-feiras.