Título: Saúde no DF virou caso de polícia
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Fonte: Correio Braziliense, 14/08/2010, Opinião, p. 24

Visão do Correio

Más notícias viraram rotina na saúde pública do Distrito Federal. Não surpreendem, pois, a falta de medicamentos para hemofílicos nem o risco de fechamento do Hospital Regional de Santa Maria (HRSM). O caos está disseminado e já não cabe a desculpa do estrangulamento do sistema pela demanda de 1,5 milhão de moradores do Entorno. Essa é apenas parte do problema. O essencial é a gestão incompetente e a corrupção.

A escassez de remédios indispensáveis a portadores de doenças crônicas e toda sorte de carência (de leitos e profissionais a equipamentos e material de consumo) verificada na rede de hospitais e postos de saúde submetem o brasiliense, há anos, a sofrimento descomunal, vexaminoso. A simples marcação de uma consulta pode ser procedimento torturante. Pior quando a fila por atendimento termina com o paciente largado em agonia sobre uma maca, sem o tratamento adequado, privacidade, higiene ou qualquer sinal de civilidade ou humanidade.

É inacreditável que, com esse cenário, mais de R$ 200 milhões transferidos pelo governo federal ao GDF para fazer frente às necessidades do setor fossem encontrados por inspeção da Controladoria-Geral da União (CGU) imobilizados numa conta no Banco de Brasília (BRB). Mas não é só nem o mais chocante. Certamente têm gravidade maior os indícios de direcionamento de licitação em reformas e contratos, pagamento de serviços médicos não realizados, aluguel suspeito de ambulâncias, terceirização de hemodiálise e outras irregularidades.

O HRSM é exemplar nesse contexto. Antes que abrisse as portas, o Tribunal de Justiça do DF cassou, em caráter liminar, o contrato de gestão do hospital, por ter sido inconstitucionalmente transferido à iniciativa privada sem que nem sequer tivesse havido licitação. Um ano depois, em abril de 2009, a liminar foi derrubada e a unidade começou a funcionar ainda assim de forma precária, limitada aos ambulatórios e laboratórios de análises clínica e de imagens. Agora, a centenária Real Sociedade Espanhola Beneficência, encarregada da administração, admite oficialmente o risco de morte de paciente em decorrência de atrasos nos repasses mensais de recursos pela Secretaria de Saúde.

A dívida acumulada pelo GDF com os gestores seria de R$ 22,8 milhões, 10% das verbas federais que, apenas dois meses atrás, o governo local mantinha depositadas no BRB. O Ministério Público adverte que, caso alguém perca a vida em consequência do impasse, responsabilizará criminalmente o secretário da área e o governador. Não se pode é admitir a hipótese de que se chegue a esse extremo, quando não mais haverá solução plausível. É igualmente estarrecedora a falta do Fator Plasmático 9, medicamento essencial à sobrevivência de 100 hemofílicos no DF. O Ministério da Saúde assegura haver disponibilizado 210 mil unidades nos últimos 30 dias, quando o consumo mensal é de 140 mil. Como se vê, saúde na capital da República virou caso de polícia.