Título: Como Temer proibiu e flexibilizou MPs com emendas-contrabando
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2011, Política, p. A5

De Brasília

O Palácio do Planalto intensificou nos últimos meses a alteração de textos originais de medidas provisórias por meio das emendas de relator, subscritas pelo deputado federal escolhido para relatar a MP. A crescente prática permite ao governo incluir as chamadas emendas-contrabando nas medidas provisórias, com assuntos alheios à finalidade para a qual fora editada. Técnicos da Câmara batizaram o procedimento de "fast-track", em referência ao rito sumário do Legislativo americano.

Nesta semana, por exemplo, a expectativa é de que sejam aprovadas duas MPs com diversas alterações impostas pelo governo sobre o patrocínio do relator. A 517, publicada em dezembro pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apresentou originalmente 13 assuntos já desconexos entre si. Na quarta-feira, o relator, deputado João Carlos Bacelar (PR-BA), acatou diversas emendas dos deputados mas também algumas motivadas pelo Executivo, como a que altera regras de pagamento de precatórios e a Lei de Gás.

Outra é a 521, cujo caso é mais flagrante. Editada em 31 de dezembro para dispor sobre atividades de médico-residente e sobre gratificações a funcionários da AGU, acabou recebendo a emenda que flexibiliza a Lei de Licitações para obras da Copa e da Olimpíada. Antes da 521, a emenda circulou, em tentativas frustradas de inclusão, pelas MPs 502 e 510.

O que tem dado liberdade ao governo para fazer os contrabandos nas MPs que já estão em tramitação e prestes a serem votadas, tendo o prazer de vê-las virar lei em um curto período de tempo, é uma decisão do atual vice-presidente Michel Temer, quando ainda presidia a Câmara. Em agosto de 2010, na primeira semana do esforço concentrado da Casa em pleno período eleitoral, Temer flexibilizou uma de suas principais decisões: a de barrar as emendas-contrabando dos deputados. Dois meses antes, Temer selara sua entrada na chapa presidencial da então candidata Dilma Rousseff.

Ao responder a uma questão de ordem (instrumento pelo qual se questiona o regimento) do então deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) sobre matérias estranhas que a relatora da MP 487, Solange Almeida (PMDB-RJ), havia incluído em seu parecer, Temer afirmou que não cabe indeferimento prévio de emenda incluída pelo relator de qualquer medida provisória. Quem poderia fazer isso, era o plenário. "Quando o relator insere matéria nova é o plenário que vai ou não admiti-la", disse, à época. Isso acabou por afetar sua própria decisão, muito elogiada à época, de pouco mais de um ano antes, quando determinara que seriam "inadmitidas emendas estranhas ao núcleo material das medidas provisórias, aí incluída eventual inserção de matéria estranha pelo relator".

Ou seja, na prática, foram criadas duas formas para analisar se uma emenda contém matéria alheia ou não ao teor original da MP. Se um deputado qualquer apresenta previamente uma emenda, ela será analisada pelo corpo técnico da Casa que, invariavelmente, costuma rejeitá-la caso seja desconexa com o eixo principal da medida provisória. Entretanto, se o relator apresentar seu relatório com emendas sem relação com o propósito original, caberá ao plenário levá-las adiante ou não.

E é aí que entra o governo com suas emendas. Como costuma sempre ter esmagadora maioria, enfrentará uma avaliação política da necessidade da emenda, e não técnica. Assim, dificilmente perderá.

Desde dezembro, pode-se verificar que essa prática deu certo em pelo menos quatro MPs. O caso mais recente ocorreu com a 513, de novembro de 2010. O intuito inicial era alterar regras de financiamento habitacional e autorizar o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) a utilizar recursos federais para a transferência da malha viária aos Estados. Acabou, além disso, permitindo à União a emissão de títulos em favor do Banco do Nordeste e autorizando a Casa da Moeda do Brasil a doar 100 milhões de cédulas de gurdes, a unidade monetária haitiana, ao Haiti.