Título: A situação dos endividados e o vento de cauda na economia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2011, Opinião, p. A10
Nada menos do que 41,3% da renda anual do brasileiro está sendo consumida com o pagamento de dívidas, apontou reportagem publicada pelo Valor em 18 de maio. É o percentual mais elevado de comprometimento da renda com essa finalidade desde que o levantamento começou a ser feito, em 2006. Há um ano, juros e principal absorviam 37,4% do rendimento anual das pessoas.
O comprometimento crescente do orçamento do brasileiro com dívidas é consequência do aumento dos gastos com juros, depois das medidas macroprudenciais anunciadas pelo governo a partir do fim de 2010 para restringir o crédito, e da elevação da taxa básica de juros (Selic), que já subiu 1,25 ponto percentual neste ano.
A partir de novembro, o governo lançou mão de medidas como o aumento dos recolhimentos compulsórios dos bancos e maiores exigências de capital para determinadas operações de financiamento à pessoa física para frear a inflação por meio da restrição ao crédito, que chegou a 45% do Produto Interno Bruto (PIB) no governo Lula, saindo de 22% em 2003; e quadruplicou em volume desde então. No ano passado, o estoque total do crédito aumentou 20,7% e o objetivo do Banco Central é reduzir para 13% a 15% o crescimento das operações neste ano.
Até agora, o resultado mais visível das medidas de contenção do crédito tomadas pelo governo é a elevação dos juros. As taxas para as operações com pessoas físicas subiram de 40,6% ao ano em novembro para 45% em março. O volume médio mensal de concessão de crédito para pessoa física chegou a cair em janeiro, mas voltou a subir em fevereiro e março; assim como o prazo das operações.
É exatamente o crescimento das despesas com juros que aumentou o comprometimento da renda dos brasileiros com o crédito. Para diluir o peso, as pessoas alongaram o crédito. Pesquisa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio) revelou que 34,9% dos paulistas tinham dívidas superiores a um ano em comparação com 26,2% em abril de 2010.
As medidas macroprudenciais tornaram, porém, essa estratégia cada vez mais difícil porque, além da elevação dos juros, elas causaram a diminuição dos prazos do crédito. Informações divulgadas na semana passada pelo Banco Central, por ocasião do anúncio do Boletim Regional, antecipam o comportamento do crédito em abril, que só será conhecido em detalhes na próxima semana. De acordo com esses dados, a taxa média do crédito subiu para 51,3% em abril. A concessão média diária de crédito para pessoa física caiu 9,8% em comparação com março, em termos dessazonalizados; e o prazo médio das operações encolheu para 38,1 meses. O financiamento de veículos, um dos principais alvos das medidas tomadas pelo Banco Central, teve o prazo médio reduzido de 44 meses em novembro para 40 meses em abril.
Neste momento, ainda é difícil saber se a economia está ou não desacelerando, como pretende o BC, para conter as pressões inflacionárias, o que terá implicações na capacidade de pagar as dívidas. Se a economia cresce e há emprego e salário, a tarefa é facilitada; mas se os negócios desacelerarem muito, pode ficar impossível manter os compromissos em dia.
Apesar de o governo vir repetindo que suas medidas estão fazendo efeito, o índice do Banco Central que antecipa o Produto Interno Bruto (PIB), o IBC-Br, subiu 0,51% em março, depois de ter aumentado 0,36% em fevereiro, mostrando uma reação. O desempenho do primeiro trimestre (1,28%) sinaliza um crescimento anualizado e dessazonalizado de 5,2%. O próprio presidente do BC, Alexandre Tombini, disse a jornalistas estrangeiros que a economia brasileira pegou um "tailwind" (expressão usada quando um vento de cauda aumenta a velocidade do avião) que turbinou o consumo. Reforçam essa visão o desempenho exuberante da arrecadação em abril, quando as receitas totalizaram R$ 85,2 bilhões, 10,4% a mais do que em abril de 2010 e 19% a mais do que em março passado.
Apesar disso tudo, o governo reduziu a projeção de crescimento da economia neste ano de 5% para 4,5% no relatório bimestral das contas federais, divulgado sexta-feira.
Uma saída para o brasileiro endividado será o cadastro positivo, cuja legislação seguiu para sanção presidencial, após ser finalmente aprovado no Congresso. Calcula-se que o cadastro positivo, ao conter todo o histórico de pagamentos da pessoa, inclusive das faturas de água, luz e telefonia fixa, possa reduzir o custo do crédito em 20% a 30% para o bom pagador.