Título: Ministra rejeita pecha de 'trator' no Congresso
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2011, Política, p. A8

Antes de tomar posse como ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann despediu-se do Senado com acenos de "interlocução" com a oposição. Num discurso de despedida rápido, após o qual recebeu apartes de dezenas de senadores, ela rejeitou a pecha de "trator" na relação com os adversários no Congresso. Mas, fiel à conduta que marcou sua passagem pelo Legislativo neste primeiro mandato, reafirmou o direito de decisão da maioria governista.

"Não considero esta [trator] a melhor metáfora para quem exerce a política e sempre se dispôs a debater, ouvir e construir consensos", disse, referindo-se a críticas feitas a ela por senadores da oposição. "A manifestação democrática é o maior instrumento que temos para avançarmos no desenvolvimento do nosso país. E acredito que o desfecho da manifestação democrática é a decisão da maioria."

Aécio Neves (PSDB-MG) aproveitou o gancho para criticar a relação do governo com a oposição e pedir mudança. "Está correta a afirmação [sobre a decisão da maioria], mas não sem antes ouvir a minoria. Nestes primeiros meses do ano, a avassaladora maioria conquistada legitimamente nas urnas pela base de sustentação do governo não permitiu que nós criássemos aqui um ambiente mais fértil para debates sobre relevantes temas nacionais", disse.

O tucano citou a proposta que muda o rito de tramitação das medidas provisórias. O autor da proposta original é o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), mas Aécio, como relator, apresentou um substitutivo que o governo não aceita. A própria Gleisi defende a aprovação do texto de Sarney. Esse será um dos temas que a ministra terá de negociar com o Congresso.

"Tenho certeza de que levará para o outro lado da Esplanada esse sentido e essa compreensão de que, na democracia, tão importante quanto a maioria é o papel da oposição. Nossa oposição será sempre firme e clara em relação às discordâncias que teremos, mas, acima de tudo, leal ao Brasil. Vossa excelência encontrará aqui sempre, da nossa parte, disposição ao diálogo e, quando necessário, confronto, mas sempre uma posição construtiva em favor do Brasil."

Gleisi respondeu que terá "muita saudade" de debater com Aécio, mas que ontem não iria contraditá-lo, apenas agradecer a convivência. Antes, durante o discurso, ela considerou a exposição a pontos de vista contraditórios "condição da vida parlamentar e da vida democrática" e manifestou "deferência" aos integrantes da oposição. "Todos foram adversários duros nos debates, mas prevaleceu sempre a convivência democrática", disse.

Do líder do DEM, Demóstenes Torres (GO), a nova chefe da Casa Civil também ouviu cobrança por mais respeito à oposição. "Não é só nas crises que o governo deve ter interlocução com setores da oposição, mas é também na normalidade, na democracia", disse. Definiu Gleisi como "esquentadinha", característica que disse também ser sua e não considerar um defeito. "Vamos ter muitas interlocuções", respondeu a agora ministra.

Ainda que a tarefa para a qual foi convocada por Dilma não seja cuidar da articulação política do governo, Gleisi demonstrou no pronunciamento preocupação em estabelecer pontes com a oposição e também de reforçar a relação com o PMDB, partido que mantinha boa interlocução com o ex-ministro Antonio Palocci e manteve apoio a ele durante a crise.

O líder da bancada, Renan Calheiros (AL), disse a Gleisi que a expectativa do PMDB com relação ao seu trabalho na Casa Civil "é a melhor possível" e manifestou "apoio incondicional" do partido. Gleisi respondeu declarando "grande carinho" pelo PMDB e também prometendo interlocução. Lembrou que seu suplente, que assumirá a vaga, Sérgio Souza, é pemedebista.

Numa das poucas vezes que o nome foi citado, Jorge Viana (PT-AC) lembrou que "os percalços da política vitimaram um companheiro nosso, um grande brasileiro, o ex-ministro Palocci". Mas isso, disse, "não tira o brilho e muito menos danifica essa maneira acertada" da escolha de Gleisi para a Casa Civil.

A bancada do PT - que na véspera, antes da confirmação da queda do ministro, não quis aprovar moção de apoio a Palocci, sugerida por Marta Suplicy (SP) - estava em peso nas homenagens a Gleisi. O líder, Humberto Costa (PE), afirmou que a ex-colega de bancada vai "dar um show de bola" no cargo.

Lindbergh Farias (RJ) classificou a passagem de Gleisi pelo Senado como "um furacão ou como uma estrela". Ele elogiou o "acerto" da presidenta pela escolha e afirmou que "é hora de dialogar com o povo, com a sociedade". Eduardo Suplicy (SP) lembrou que Gleisi e o marido, o ministro Paulo Bernardo (Comunicações), compõem "o primeiro casal na história a colaborar com um ministério".

Gleisi citou Deus e a palavra "amém" várias vezes durante os apartes. Começou citando o poeta Manoel de Barros e terminou com uma poesia da paranaense Helena Kolody. Recebeu elogios entusiasmados, como do ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL), que citou, como características da ministra, "clarividência", "capacidade de trabalho", "discernimento", "tenacidade" e "inteligência". (RU)