Título: Apesar das restrições, superávit do Brasil é crescente
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2011, Brasil, p. A4

De Buenos Aires

Apesar da onda de protecionismo na Argentina, o superávit do Brasil com o país vizinho deve aumentar dos US$ 4,1 bilhões alcançados no ano passado para cerca de US$ 7 bilhões em 2010, segundo a Abeceb, consultoria com sede em Buenos Aires e especializada nas relações bilaterais. Só no primeiro trimestre de 2011, o saldo favorável aos exportadores brasileiros subiu de US$ 443 milhões para US$ 1,064 bilhão, uma expansão de 140%.

Por que, se há tantas barreiras contra seus produtos, o Brasil sai com tanta vantagem na balança comercial entre os dois grandes sócios do Mercosul? O governo e os empresários brasileiros, então, reclamam de boca cheia?

Diz um diplomata brasileiro com mais de dez anos nas negociações comerciais entre Brasil e Argentina: "De certa forma, numa corrente de comércio que chega a mais de US$ 30 bilhões por ano, é um detalhe discutir o bloqueio a uma pequena carga de chocolates e guloseimas que somava US$ 5 milhões". O mesmo negociador lembra que os bens industrializados (manufaturados e semimanufaturados) representam 93% da pauta de exportações brasileiras à Argentina, e cresceram mais de quatro vezes desde 2003. Nesse período, as vendas totais do Brasil ao mundo, já levando em conta os altos preços da soja e do minério de ferro, aumentaram 176%.

O próprio diplomata, contudo, que defende o tratamento das divergências apenas nos gabinetes oficiais e sem acusações mútuas pela imprensa, afirma: o mercado brasileiro está disposto a ampliar suas compras da Argentina, o que garantiria maior equilíbrio na balança comercial, mas o país não tem mais produtos suficientes para nos oferecer.

"É exatamente isso", endossa Mauricio Claverí, economista da Abeceb. "Por um lado, a Argentina não foi capaz de diversificar as suas exportações. Por outro, reduziram-se os saldos exportáveis de produtos que vendíamos tradicionalmente ao Brasil, como trigo, petróleo e naftas petroquímicas", completa Claverí.

O trigo é um exemplo. Há potencial no mercado brasileiro para suprir metade da demanda nacional, em torno de 5 milhões de toneladas, com trigo argentino. Mas a área plantada do grão no país vizinho, na safra 2009/2010, foi a menor em 111 anos. Isso levou o governo a reduzir as tarifas de importação e estimular compras de outros fornecedores. Outro caso relevante é o do petróleo. Pela primeira vez, em duas décadas, a Argentina importou mais petróleo e derivados (óleo diesel, gás e lubrificantes) do que exportou - cenário radicalmente diferente do vivido na década de 1990, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso determinou reforçar as compras de petróleo da Argentina para equilibrar o comércio bilateral.

Também são emblemáticas as exportações argentinas de 2 mil megawatts (MW) médios de eletricidade, que ajudaram o Brasil no racionamento de 2001, mas foram interrompidas em 2006 por causa da escassez energética no país vizinho. Desde então, a Argentina convive com a falta de gás para as indústrias no inverno e com apagões no verão, levando-a a comprar energia de usinas termelétricas no Brasil.

"Com as duas economias se expandindo, o comércio tende a crescer mesmo. Mas a indústria brasileira desenvolveu um grau de competitividade bem maior e houve uma ampliação das assimetrias entre os dois países", afirma Claverí. "O problema da Argentina não tem a ver com a taxa de câmbio, mas com a baixa competitividade da indústria."

Em termos globais, o governo argentino tenta sustentar um superávit comercial acima de US$ 10 bilhões, como nos últimos anos, ancorado nos altos preços dos alimentos exportados, como soja, milho e carne.