Título: Servidores perdem R$ 20 bi com decreto
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 15/08/2010, Economia, p. 18

Retificação de texto assinado pelo ex-presidente Geisel, que retira direitos dos trabalhadores em programas de demissão voluntária, é questionada na Justiça

A Casa Civil da Presidência da República rejeitou o pedido de anulação da retificação de decreto do então presidente Ernesto Geisel, em 1978, que teria resultado na redução a um terço dos valores pagos a servidores em programas de desligamento voluntário na década de 1990. Só no Banco do Brasil foram desligados cerca de 40 mil servidores. O pedido de anulação foi feito pela Associação Brasileira de Previdência (Abraprev), que estima em cerca de R$ 20 bilhões o prejuízo dos servidores. A Casa Civil reconheceu que o documento foi alterado, mas argumentou que não há como saber se a alteração ocorreu antes ou depois de o documento ser examinado e assinado pelo então presidente da República. A Abrapev vai ingressar agora com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a anulação da retificação.

A Casa Civil afirmou que a demora de mais de 30 anos para a formulação da queixa tornou bastante difícil avaliar a questão. Nenhum servidor que aqui trabalhava na época foi localizado, as autoridades que subscreveram os atos já faleceram e temos apenas a documentação existente no Arquivo Nacional. O que temos é ato datilografado assinado pelo então presidente da República apenas na última folha, diz o ofício assinado pelo subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Beto Vasconcelos.

Considerando esse fato, o tempo transcorrido e a inexistência de assinatura eletrônica na época, a Casa Civil declarou: A alteração pode ter sido feita antes de o documento ser assinado pelo presidente, mas não ter sido estendida para a versão remetida para a Imprensa Nacional, como pode ter sido feita em momento posterior à assinatura do presidente. Tem-se, também, a hipótese de outra versão do documento ter sido assinada pelo presidente, pois é clara a falta de documentos a respeito no Arquivo Nacional.

Apócrifa Quanto à alegação de que a retificação seria apócrifa, feita pela Abrapev, a Casa Civil esclareceu que retificações não são assinadas pelo presidente da República. A função da retificação é ou sanar erro material evidente ou corrigir dissonância entre o assinado pelo presidente e o efetivamente publicado. Pode ter sido interpretado, na época, que o erro material era tão evidente que seria possível a alteração ex officio e sem a manifestação do presidente da República.

A Casa Civil também respondeu às acusações feitas pela Abraprev: Talvez não tenha sido a atitude adequada, mas, diante de erro material tão evidente, revela-se absurdo, e até injurioso, classificar a ação como fraude e ato destinado a enriquecimento sem causa à custo do patrimônio de aposentadoria dos participantes. Assim, deve prevalecer a presunção de validade do ato publicado no Diário Oficial da União, tanto pela ausência de qualquer elemento objetivo demonstrando que a vontade do presidente foi fraudada quanto pela falta de lógica do texto originalmente publicado.

O presidente da Abraprev, Fernando Toscano, respondeu à decisão da Casa Civil. A resposta negativa ao pedido de nulidade me parece bem inconsistente e chega a ser lamentável. Como pode um decreto ser completamente alterado na sua forma sem que o presidente da República ao menos tenha assinado essa retificação? A retificação retirou direitos dos trabalhadores, proibindo-os de sacar suas reservas salvo em caso de demissão, ferindo o direito constitucional da livre associação. Além disso, os fundos de pensão se apropriaram indevidamente das cotas patronais (dois terços) que faziam parte das reservas que seriam utilizadas pelos participantes dos planos de previdência privada. A Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ), que tem hoje R$ 125 bilhões em ativos, afirmou ao Correio que concedeu aos participantes todos os benefícios previstos no regulamento da instituição.

Entre os prejudicados estaria o ex-funcionário do Banco do Brasil João José Lopes, 55 anos. Ele recebeu, em 1995, o equivalente a R$ 275 mil hoje. Isso representaria 16,5% do total das suas contribuições. Sem a retificação do decreto presidencial, ele teria recebido três vezes mais, avalia a Abraprev.