Título: Reforma política para que, quem e quando
Autor: Barenboim, Igor
Fonte: Valor Econômico, 06/06/2011, Política, p. A8

Especial para o Valor

A retomada da discussão sobre reforma política trouxe alento a muitos incomodados com as vicissitudes do nosso sistema eleitoral como a desconexão entre o eleitor e o seu representante legislativo e a eleição de candidatos devido ao voto de protesto. O desconforto não é só com o "Macaco Tião" que é votado, mas com toda a legião que recebe o mandato do povo por simples acaso de estar registrado na legenda do nosso arquétipo brasileiro. Outra questão que traz desconforto é o famoso caixa dois de campanha ao qual é apresentado como solução o financiamento público de campanha. E por fim, outro tema relevante discutido é o papel e a força dos partidos políticos.

No entanto, esse alento se esvai no momento que nos damos conta de que escolher o Congresso Nacional como fórum de debate dessa matéria é problemático, na medida em que estaremos levando ao ápice o confronto do auto-interesse do congressista ao seu interesse público. Ou seja, por mais que esperemos que o interesse público prevaleça no Congresso, é talvez um pouco demais supor que alguém estaria disposto a prejudicar sua carreira construída ao longo de anos, em prol de uma mudança que parece virtuosa em tese. Em resumo, se queremos uma reforma política com mudanças profundas nos sistema eleitoral é provável que precisemos utilizar algum outro fórum de debate e votação como um plebiscito.

Mas será que queremos mudanças profundas nesse sistema eleitoral? Será que isso não traria uma desestabilidade institucional desnecessária que colocaria em risco muitas das conquistas do último quartel democrático da história brasileira? Como já ouvi de deputado de peso no nosso Congresso, "nós temos uma democracia jovem em consolidação, que vem gerando estabilidade institucional e ganhos de renda para o povo. Será que é hora de trocar tudo mais uma vez?"

Para resolver o problema da legião que recebe mandato parlamentar por conta do "Macaco Tião", foi proposta a criação do sistema distritão, onde são eleitos, os que tem mais votos. A priori, essa proposta parece oferecer um resultado justo e virtuoso. Mas será que devemos abandonar a ideia da representação proporcional que privilegia as minorias e põe em xeque a tirania da maioria. Ou seja, no sistema atual pode ser criado um partido que defenda alguma causa que atenda a várias minorias, mas não tenha nenhum líder que consiga expressar a defesa dessa causa, mas sim vários lideres locais que são hoje representados pelo sistema brasileiro e não mais seriam pelo distritão. Será que uma forma mais simples de resolver esse problema não é apenas acabar com o voto obrigatório? Sem o voto obrigatório, o voto de protesto se torna inexpressivo, pois a própria abstenção é um protesto. Com isso nem os macacos tiões seriam eleitos nem a turma de sua legenda.

Outro problema do sistema do distritão é que ele traz consigo o enfraquecimento dos partidos políticos. Num sistema, onde contam apenas os votos individuais qual mesmo se torna o papel do partido? Será que teremos uma nova coleção de partidos do eu sozinho? Hoje o Brasil tem mais de 20 legendas em atividade e haja ideologia sectária para termos mais de 20 plataformas partidárias com diferenças relevantes. Para fortalecer tais partidos tem sido proposto o sistema de lista fechada, onde o dirigente partidário escolhe a ordem de preferência do direito ao mandato do candidato. Ou seja, nesse sistema o dirigente partidário tem interesse em atrair lideranças políticas que possam trazer votos para o seu partido, mas nada o impede de eleger seus amigos encabeçando a lista partidária. O sistema de lista fechada tem o defeito de perpetuar os mesmos no poder por muito tempo. Enquanto que o sistema atual no Brasil traz uma renovação superior a 30% por legislatura. Será que a renovação da classe política, não é importante para o progresso brasileiro?

Outro sistema que andou sendo discutido é uma mistura do sistema distrital, estilo americano com o sistema de lista fechada, chamado sistema distrital misto. O sistema distrital tem a virtude de aproximar o eleitor do seu representante na medida em que ele não deixa de ser uma autoridade local que tem a responsabilidade de trazer dinheiro federal, ou estadual para melhorar a qualidade de vida do distrito. O sistema distrital tem outra característica que é o aumento da provisão de bens públicos em prejuízo das transferências de renda para indivíduos como mostra Milesi-Ferreti Perroti e Rostagno (2002). Isso significa que a despesa pública se torna mais focada em provisão de infraestrutura do que em depositar dinheiro nas contas dos seus cidadãos com características específicas. Outra característica do sistema distrital é que a renovação da classe política é também muito baixa. Nos EUA o Congresso tem uma taxa de renovação a cada legislatura inferior a 3%.

Além disso, outra questão fundamental que vem sendo discutida é o financiamento público de campanhas. Quanto a essa questão seguem algumas considerações: do ponto de vista econômico puro, para arrecadar-se, deve-se distorcer a economia desincentivando o trabalho, o que se justifica para a provisão de bens públicos, que tem a característica de ser indivisível, que aumentem o retorno privado e que a provisão dependa da solução de um problema de coordenação que só pode ser resolvido pelo Estado. Ficam para mim as seguintes perguntas: será que um candidato não pode se articular para financiar a sua campanha se ele realmente representa interesses da sociedade? Será que o valor oferecido pelo governo não se tornará piso para os candidatos mais articulados e abastados e teto para os menos proficientes? Para mim não está claro que vale para o povo pagar essa conta através de impostos.

Em resumo, a meu ver, estamos em um processo de consolidação institucional e não devemos brincar de mudar todas as regras do jogo a todo o tempo. Avançar é preciso, mas com precaução para não eliminar todas as conquistas. Nesse sentido é que me parece que derrubar o voto obrigatório resolve um dos principais desconfortos dos observadores do sistema eleitoral brasileiro. Outra pequena medida que fortalece os partidos é o fim das coligações nas eleições legislativas, isso fará com que os partidos nanicos percam força e que os partidos médios participem do debate de ideias e propostas. Afinal, como já ouvi de importante liderança política nacional, time que não entra em campo não tem torcida. A reforma política deve promover o debate fortalecendo os partidos de forma natural e corrigir as principais distorções do sistema eleitoral sem comprometer as conquistas de outrora.

Igor Barenboim é PhD em economia por Harvard