Título: Crise já paralisava máquina política e administrativa
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2011, Opinião, p. A10
A crise que abateu o ministro Antonio Palocci ainda terá desdobramentos, mas desde já é possível registrar que o modelo de coordenação política do governo se esgotou, para não dizer simplesmente que é inviável. Desde 2004, no segundo ano do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, sete ministros já passaram pela pasta encarregada da articulação política, um recorde na gestão petista, e não está afastada a possibilidade de uma nova mudança ocorrer a curto prazo.
Ninguém, até agora, definiu melhor o posto do que um antigo ocupante da cadeira, o atual ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro. Dizia Múcio que o Ministério da Coordenação Política e Relações Institucionais podia ser considerado simplesmente a pior pasta do governo. Ele era procurado o dia inteiro por congressistas ávidos pela liberação de emendas parlamentares, uma atribuição do Ministério do Planejamento, ou por nomeações para cargos públicos, prerrogativa da Casa Civil da Presidência da República.
O que a atual crise evidencia, sem falar do problema pessoal do ministro Palocci, é que não há como o Ministério da Coordenação tornar-se figura irrelevante no governo no momento em que há um chefe da Casa Civil forte no Palácio do Planalto. Só deu certo num curto intervalo de tempo em que o Ministério foi ocupado por Alexandre Padilha, de setembro de 2009 até o fim do mandato de Lula. Mas esse era um período em que todos no Planalto estavam empenhados na viabilização da candidatura Dilma Rousseff, em primeiro lugar, e a partir de abril de 2010 a Casa Civil foi ocupada por figuras inexpressivas, caso de Erenice Guerra e dos interinos que se seguiram à sua demissão do cargo.
O exercício de um presidencialismo forte num ambiente governado por uma Constituição que nasceu para ser parlamentarista possivelmente está na raiz das dificuldades políticas recorrentes enfrentadas pelos governos civis que se seguiram à Carta de 88, independentemente de partidos. A coordenação política ganhou assento próprio no Palácio do Planalto em abril de 1996, quando Fernando Henrique Cardoso precisou acomodar no governo a parcela do PMDB que efetivamente tinha votos no Congresso. O tucano deve muito a essa manobra a autorização que depois retirou do Congresso para se candidatar à reeleição.
Lula enfrentou as mesmas dificuldades ao longo de seu primeiro ano de mandato, em 2003, quando o todo-poderoso José Dirceu controlava cada milímetro do governo. Ainda nem sequer havia o mensalão, mas o presidente precisou criar o Ministério da Coordenação Política e das Relações Institucionais para repartir o imenso poder exercido por Dirceu. O ministro nomeado foi Aldo Rebelo, do minúsculo PCdoB, desde o primeiro dia um estranho no ninho petista. Atritos frequentes entre os dois ministros foram registrados pelo noticiário da época.
O PT sucedeu ao PCdoB no Ministério, enquanto na Casa Civil o presidente acomodou um nome então considerado técnico, a ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, estabelecendo a configuração atual da gestão política. Nunca funcionou a contento. A diferença é que Lula ganhou gosto pelo corpo a corpo da política, depois de ter sobrevivido ao mensalão. O ex-presidente da República não precisava de intermediários para tratar diretamente dos interesses de governo com os líderes congressuais.
A nomeação de Palocci para a Casa Civil se deu na contramão do modelo lulista. Por mais que o ministro disfarçasse suas ambições políticas, a cada dia destes cinco meses do governo Dilma ficou mais claro quem de fato tinha tinta na caneta e quem desde o primeiro mês de governo foi chamado de o garçom, aquele que só anotava os recados. É fácil atirar pedras no ministro Luiz Sérgio, que até ontem respondia por assuntos que na verdade só poderiam ser resolvidos no gabinete de Palocci. Com o chefe da Casa Civil abatido pelas suspeitas levantadas sobre a evolução de seu patrimônio, o governo simplesmente engasgou politicamente. Política e administrativamente, para ser mais preciso, pois já há paralisia da máquina.
A decisão do procurador da República, mandando arquivar a denúncia contra o ministro, não encerrou a crise do governo, que esbarra na mesma dificuldade encontrada por seus antecessores: a acomodação de interesses políticos conflitantes.