Título: Coisas novas que são velhas
Autor: Troster, Roberto Luis
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2011, Opinião, p. A10

A economia brasileira está atarantando os analistas atentos a seu desempenho. Por um lado, novidades auspiciosas para fazer o país acontecer, como os ganhos do pré-sal, da Copa do Mundo, da Olimpíada, dos preços elevados das exportações, da abundância de fluxos financeiros externos e das baixas taxas de juros internacionais. Não é pouco. Por outro, notícias e indicadores que parecem oriundos de um espólio superado.Apesar do quadro conjuntural ser o ideal para crescer, os números da macroeconomia conspiram contra, com projeções de crescimento em queda e de preços em alta. Apenas este ano, as estimativas de expansão da atividade industrial caíram mais de um ponto percentual, a inflação acumulada em 12 meses já rompeu a banda superior fixada e as expectativas para este ano e o próximo estão acima da meta. Surpreendem mais ainda noticias que vêm da capital.

A primeira é o alarde da melhoria das contas públicas. Sem tirar o mérito da equipe econômica, parte do desempenho se deve ao efeito Olivera-Tanzi. Quando a inflação acelera, a arrecadação sobe mais rapidamente que os gastos. Isso acontece porque os tributos são cobrados em bases correntes e os gastos têm embutidos defasagens entre a alta dos preços e sua captura e correção pelos índices, reduzindo seu valor real. É um resultado passageiro que termina após a estabilização da inflação num outro patamar. É como alegria de pobre.

Outra é o arrefecimento do consumo popular que, independentemente da qualidade da gestão do governo, também tem um componente inflacionário. Como preços sobem antes dos salários, a renda real diminui, os gastos caem e a inadimplência aumenta. Não é só resultado das medidas adotadas, mas também consequência da inflação, uma velha conhecida dos brasileiros que quer aparecer como nova. Parecia que pertencia ao passado, mas está ocupando um espaço cada vez maior na política econômica, condicionando mais e mais suas decisões.

Novidade seria o desenho e implantação de política de desenvolvimento sintonizada com os tempos atuais

Até agora, as medidas adotadas para frear a alta de preços têm apresentado um preço elevado e pouca efetividade. A estratégia de ajuste gradual, já testada anteriormente, que eleva a taxa mais lentamente, faz com que ela demore bem mais a cair, aumentando o custo médio de todo o processo, enquanto que um aperto rápido impõe juros mais altos no curto prazo, entretanto, caem antes, reduzindo o tempo e o ônus de baixar a inflação. A experiência mostra que o gradualismo, além de mais caro, é mais arriscado, pois aumenta sua inércia e a vulnerabilidade a choques.

A política de crédito que é anunciada como complemento à política de juros é semelhante a outros experimentos realizados anteriormente. Os resultados não foram diferentes: mais concentração, mais inadimplência, menos crescimento e um impacto pífio na inflação. Desaceleração na economia e arrefecimento da inflação não são sinônimos, a década de 1980 é um exemplo, há outros.

Aumentaram-se as exigências de capitalização de todos os bancos para algumas operações; como só uma fração dos médios e pequenos está com um índice mais baixo, o resultado esperado aconteceu. Houve uma migração de operações para os grandes. Ilustrando o ponto, no crédito consignado, os bancos grandes, que antes da crise externa tinham um quarto do mercado, já duplicaram sua participação até agora. Enquanto uma concentração dada pelo mercado pode refletir mais eficiência, uma forçada pela regulamentação pode ser consequência de concorrência desigual. O debate da concentração bancária é antigo, até fez parte de um artigo da Constituição de 1988.

Anuncia-se com estardalhaço o cadastro positivo, todavia essa é uma ferramenta voltada para os credores; devedores deveriam ter acesso irrestrito ao mesmo e as instituições a obrigação de precificar e informar o risco por cliente e cobrar o mesmo preço para cada categoria. Uma oferta de crédito mais transparente e sensível ao risco torna a política monetária mais eficiente. É um fato descrito na literatura econômica, mas insiste-se na solução parcial do passado.

O impacto das medidas no crédito foi assimétrico. Este ano apenas, as operações menores para pessoa física caíram 4,6% enquanto que o crédito para as maiores subiu 2,3%; para empresas o quadro é semelhante, pequenas operações subiram 2,5% e as grandes 3,7%. O aperto é maior para quem tem menos. Não é exatamente uma novidade.

Houve uma deterioração na composição do crédito em 2011. Enquanto a conta garantida que tem uma taxa de juros de 106,7% ao ano cresceu 11,9%, o estoque de financiamentos com desconto de duplicatas e de promissórias, que têm taxas mais baixas, caiu em valores nominais. Na pessoa física, o quadro é mais dramático, o volume de crédito na modalidade cheque especial, que custa 178,1% ao ano, aumentou 21%, no mesmo período, o crédito pessoal cresceu apenas 6,6%. Déjà vu?

A racionalidade de contratar linhas mais curtas com taxas mais altas num momento de incerteza é discutível, mas o impacto na inadimplência é certo. Apenas este ano, segundo informações do Banco Central, os empréstimos para pessoa física com atrasos superiores em 15 dias aumentaram de 11% para 12,7%; de cada R$ 8 devidos aos bancos mais de R$ 1 não foi pago no banco no vencimento. Se considerarmos que, quando há um enxugamento de liquidez, a inadimplência se eleva antes para dívidas não financeiras; o aperto pode estar virando uma bola de inadimplência, algo que já ocorreu anteriormente e não interessa nem a consumidores, nem ao comércio, nem a bancos, nem ao país.

Os números de operações de crédito referenciais para taxa de juros também têm sinais de alerta. Apenas este ano, as concessões caíram 8%, as margens (spreads), que são as segundas maiores do mundo, aumentaram 4,2%. Com isso, a relação crédito/PIB só avançou 0,2% e pode vir a cair. Está aumentando a transferência de recursos do setor produtivo para o financeiro; no passado, um processo análogo em sua fase mais aguda era chamado de ciranda financeira, um quadro que deixado por si, só piora. É premente evitar que aconteça não repetindo padrões anacrônicos.

Uma coisa nova que não é velha poderia ser o desenho e implantação de uma política de desenvolvimento sintonizada com os tempos atuais. O potencial do Brasil não é novidade e é real. A bruma que cobre a visão do país desde a capital também é uma coisa nova que é velha.

Roberto Luis Troster, doutor em economia pela USP, foi economista chefe da Febraban, da ABBC e do Banco Itamarati e professor da PUC-SP, USP e Mackenzie.