Título: Favorita, Lagarde anuncia candidatura
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 26/05/2011, Internacional, p. A11

De Paris

"No FMI manda quem paga." Foi como Christine Lagarde, a ministra das Finanças da França e candidata agora oficial à direção do Fundo Monetário Internacional (FMI), reagiu há uns dois anos quando autoridades brasileiras discutiam com ela reformas nas instituições financeiras internacionais, numa de suas viagens ao Brasil, segundo o Valorapurou.

A visão da ministra foi se tornando menos dura na medida em que a crise econômica persistiu na Europa e os emergentes se tornaram um dos motores para a expansão de exportações de países europeus. Os europeus têm cerca de 30% do poder de voto, os EUA 16,8%, os Brics cerca de 11%.

Na semana passada, ao saber que o Brasil desejaria um nome de país emergente no comando do fundo, Lagarde telefonou para seu colega Guido Mantega, procurando aplainar o terreno contra oposições a sua candidatura.

Ontem, numa manhã ensolarada e bela em Paris, a ministra anunciou formalmente que era candidata para substituir Dominique Strauss-Kahn no FMI, defendendo sem surpresa que a divisão do poder na entidade, através das quotas, "continue a evoluir em função do peso econômico de seus membros", numa tentativa de atrair emergentes.

Ela se declarou "reconfortada" pelo apoio de "numerosos países" e um de seus objetivos nas próximas semanas será obter o voto do Brasil, que certamente visitará com um discurso diferente do de dois anos atrás. A declaração veio um dia depois de o grupo Brics - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - qualificar de "obsoleta", sem credibilidade e legitimidade a regra não escrita de que um europeu deveria dirigir sempre o FMI, na velha divisão de poder com os americanos. Lagarde logo reagiu a ataques, dizendo que tinha o direito de concorrer e que o fundo "não é propriedade de ninguém". Para ela, ser europeia "não deve ser uma vantagem, mas não deve tampouco ser um contra".

A avaliação de importantes fontes na cena internacional é de que a vitória europeia poderia estar garantida. "Se um emergente solapa os emergentes e faz acordo com Lagarde, fica difícil", disse uma fonte, referindo-se ao suposto apoio da China, alegado pelo porta-voz do governo francês. Isso reforçou a desconfiança em meios emergentes em relação à China, que atua em linha própria. E o que Pequim quer é nomear o numero 2 do FMI ou outro posto influente.

Longe das declarações oficiais, algumas autoridades relaxam e admitem informalmente que não acreditavam na possibilidade de desta vez emplacar um representante no comando do FMI. Mas consideram importante marcar posição, com vistas para o futuro.

Uma alta fonte estimou que, se tivesse sido previsto um apoio chinês tão cedo na disputa, outros países provavelmente teriam corrido para ser o primeiro a apoiar a provável futura diretora do FMI e com isso ganhar peso junto a ela.

Um exemplo de como a China mostra-se no FMI excessivamente preocupada apenas com seu interesse ocorreu na negociação pela reforma de quotas para os países em desenvolvimento em 2010.

Pequim não quis apoiar, como os outros Brics, o Brasil a se tornar o décimo maior acionista do fundo, alegando que não queria "ofender" o Canadá, que seria superado nesse caso, e outros países.

Excessivamente preocupado apenas com o interesse próprio, quando o representante chinês usou pela segunda vez o argumento, o diretor-executivo do Brasil no FMI, Paulo Nogueira Batista Júnior, que já tinha consultado Brasília, disse que se essa era a posição chinesa o Brasil é que estava ofendido e os negociadores do acordo do clima iriam ficar sabendo disso.

A partir daí, os chineses procuraram os brasileiros duas vezes nas reuniões do G-20 para esclarecer que entendiam a posição de Brasília, insistindo que não havia relutância. Mas a avaliação é de que não foi com ajuda da China que o Brasil conseguiu aumentar sua quota no FMI. A aliança dos Brics no FMI, que foi boa em 2008 e 2009, fraquejou a partir daí. Existe e há interesse em atuação conjunta, mas sinalizando que a China, pelo seu peso e importância na economia, evidentemente pode atuar em faixa própria quando quiser, mas fazendo isso terá de pagar o preço alguma hora.