Título: Crise dos ricos ameaça emergentes, reclama Brasil
Autor: Padoan, Pier Carlo
Fonte: Valor Econômico, 26/05/2011, Especial, p. A14

De Paris

O Brasil cobrou ontem dos países desenvolvidos que "façam seu dever de casa" e reformem suas economias, porque do jeito que estão ameaçam o desenvolvimento das nações emergentes.

A cobrança foi expressa pelo subsecretário de Assuntos Econômicos do Itamaraty, embaixador Valdemar Carneiro Leão, na OCDE, espécie de clube dos países ricos.

"A ideia de que os emergentes vão crescer indefinidamente, confiando em crescimento endógeno e em comércio sul-sul, é uma visão parcial das coisas", afirmou. "Não tomamos como certo que isso vai ser mantido no longo prazo. O desafio é como fazer que esse crescimento persista, para que todos se beneficiem, e isso depende também dos países ricos."

Carneiro Leão reclamou que os desenvolvidos mantêm políticas fiscal frouxa e monetária expansionista, além de se protegerem no comércio, de maneira que terminam por prejudicar os emergentes. No debate, o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, disse que o crescimento dos emergentes é boa notícia globalmente, mas que a verdade política é que isso não é percebida como tal.

Para Lamy, os países ocidentais, sobretudo EUA e os europeus, precisam abandonar o reflexo de ameaça e de proteção diante da mudança de poder na economia mundial. Alertou que se as opiniões públicas americana e europeia continuarem a pensar que China, Índia e Brasil são uma ameaça, "então vamos para um sério problemas".

Daí, segundo ele, a importância de "reforçar disciplinas para que o jogo global seja de soma positiva, porque na opinião pública é jogo de soma negativa". Alguns interpretaram isso como a necessidade de a OMC não só concluir a negociação de novas regras previstas no Acordo de Doha, como ir além no futuro com regras sobre trabalho no comércio internacional, concorrência e outras questões sensíveis.

Para Lamy, certo mesmo é que os países desenvolvidos precisam mudar suas políticas econômicas, para gerar mais empregos e melhorar educação, inovação e formação. Ele alertou também que o crescimento dos emergentes num ritmo de 6% a 7% por ano não é sustentável nas condições energética e ambientais atuais. E destacou a necessidade de que nos próprios países emergentes, como China, Brasil e Índia, o crescimento seja menos desequilibrado e contribua efetivamente para reduzir a desigualdade.

Lamy considerou que o reequilíbrio do sistema de poder na cena internacional será consequência lógica da expansão dos emergentes, e lembrou que na OMC isso já ocorre, com Brasil, China e Índia no núcleo central das decisões, ao contrário do passado, quando EUA, UE, Japão e Canadá davam sozinhos as cartas.

Na defensiva, Roberto Hormats, subsecretário de Estado dos EUA para a economia, defendeu a cooperação internacional e procurou justificar a enorme liquidez deflagrada pelos EUA, que acabou empurrando volumes gigantescos de capitais em direção dos emergentes e valorizando excessivamente as moedas locais.

Segundo ele, a ação do Federal Reserve foi necessária para "impedir que a situação econômica (nos EUA) se deteriorasse".

Por sua vez, em discurso ontem à noite na OCDE, a secretária de Estado americana, Hilary Clinton, defendeu que os países desenvolvidos "repartam suas lições econômicas com os emergentes". Defendeu que os países em desenvolvimento trabalhem para eliminar corrupção, taxar suas elites e criar regulamentações para atrair investimentos estrangeiros. (A.M)