Título: Governo e empresas do Brasil divergem em eleição no Peru
Autor: Saccomandi, Humberto ; Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2011, Internacional, p. A8

De Lima e Brasília

Empresas e governo brasileiros têm preferências divergentes em relação à eleição presidencial de domingo no Peru. O governo brasileiro torce discretamente pela vitória de Ollanta Humala. Já as empresas brasileiras que atuam no país torcem pela vitória de Keiko Fujimori, que também é a preferida da maior parte do empresariado peruano.

Humala tem afinidades políticas com o PT, com quem participou do Foro São Paulo, encontro regular de partidos de esquerda da América Latina e Caribe. Ele é visto pela cúpula do governo como o candidato mais afinado com as propostas brasileiras para integração sul-americana.

Humala chegou a pedir na semana passada um encontro com Dilma, que foi marcado e depois cancelado pelo próprio candidato, por causa de dificuldades de campanha. Se Keiko pedisse, também seria recebida, afirma um auxiliar da presidente.

A eleição de Keiko, na avaliação de especialistas no governo, reforçaria a linha seguida pelo atual presidente, Alan García, que, com os conservadores Sebástian Piñera, do Chile, Juan Manuel Santos, da Colômbia, e Felipe Calderón, do México, criou recentemente a Aliança de Integração Profunda (ou Bloco do Pacífico), manifestamente para contrabalançar o Mercosul, com um bloco internacional mais próximo da políticas dos EUA para a região.

Já a promessa de Keiko de manter as linhas gerais da atual política econômica no Peru faz dela a candidata preferida das grandes empresas no país, inclusive das brasileiras, segundo relataram ao Valor três altos executivos brasileiros que trabalham em Lima.

Keiko disse que manterá o modelo asiático de abertura agressiva da economia, câmbio competitivo e baixa taxação, tido no país como responsável pelo forte crescimento dos últimos anos. Humala quer rever parte dos acordos comerciais e elevar impostos para empresas mineradoras. Vale e Votorantim atuam em mineração no Peru.

Empresas brasileiras têm importantes contratos no país. A Petrobras explora gás num campo promissor na região central. As principais empreiteiras brasileiras realizam grandes obras e, em algumas delas, são concessionárias.

Os executivos, que pediram para não ser identificados, não veem risco para os ativos de empresas brasileiras no Peru, em caso de eleição de Humala. Mas temem que uma guinada na política econômico prejudique o clima de negócios no país. Isso poderia frear a economia e adiar uma série de investimentos previstos para os próximos anos.

O governo brasileiro tem sido cauteloso em se envolver nas eleições peruanas. Além de atender ao estilo mais reservado de Dilma Rousseff, essa cautela obedece também à avaliação de que poderia ser contraproducente uma intervenção mais forte do Brasil - como foi a atuação do venezuelano Hugo Chávez na eleição anterior, que assustou ainda mais os eleitores temerosos de aventuras populistas com a eleição de Humala.

Humala já afirmou que gostaria de replicar, no Peru, as experiências de inclusão social do Brasil, como os programas sociais e a assistência técnica à produção de alimentos pela agricultura familiar. Acredita-se, em Brasília, que ele estaria mais disposto a participar da União das Nações da América do Sul (Unasul) e dos projetos de integração de infraestrutura que o governo brasileiro vem discutindo com os países do bloco.

Para o governo brasileiro, Humala seria mais receptivo a iniciativas regionais de combate às drogas sem interferência dos EUA. Também tenderia a apoiar o Brasil em fóruns internacionais e em discussões de comércio. Esse maior alinhamento de Humala com o Brasil pode, porém, ser mais desejo das autoridades brasileiras que realidade, já que o estilo do peruano é mais próximo do estatismo antimercado de Cristina Kirchner, Evo Morales ou Hugo Chávez.

Apesar da preferência por Humala, uma vitória de Keiko Fujimori é encarada com tranquilidade pelos formuladores da política externa brasileira. Com ela, o relacionamento seria semelhante ao que foi estabelecido entre Luiz Inácio Lula de Silva e Alan García, distante, mas sem hostilidades e até com momentos de aproximação.

A presença de consultores ligados ao PT na coordenação de campanha de Humala é apontada como sinal da proximidade já existente entre o candidato e a cúpula petista no governo.