Título: Indústria cai e agentes questionam alta da Selic
Autor: Campos, Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2011, Finanças, p. C2

Um sinal firme de desaceleração da atividade, aliado um superávit fiscal forte e uma queda da inflação no horizonte de curto prazo, reascendeu as discussões em torno do rumo da taxa básica de juros.

A curva de juros futuros e a mediana da pesquisa Focus ainda sugerem duas elevações de 0,25 ponto percentual na Selic.

Mas aumentaram as avaliações de que o Comitê de Política Monetária (Copom) poderia dar apenas mais uma alta ou até mesmo ajuste nenhum, mantendo a taxa em 12% ao ano na reunião da próxima semana.

O gatilho para tais avaliações veio da produção industrial de abril, que surpreendeu ao mostrar queda de 2,1% sobre março, quando o avanço fora de 1,1% (dado revisado de alta de 0,5%).

Embora não haja consenso de que tal comportamento da indústria constitua tendência, fica a expectativa de menor crescimento ao longo segundo trimestre de 2011.

Dólar cai pelo quarto dia e vale R$ 1,58, mas sobe no mês

Outro questionamento comum é que nem sempre esse recuo da atividade industrial se traduz em vetor de baixa para os preços, principalmente para a inflação de serviços.

O fato é que há uma combinação de eventos favoráveis ao cenário traçado pelo Banco Central (BC) e que no limite poderá resultar em ajuste menos pronunciado dos juros.

Pelo lado doméstico, já tem instituições trabalhando com deflação para o mês de junho. E leituras menores nos meses subsequentes. O resultado fiscal é forte, com a economia feita para o pagamento de juros em 12 meses em R$ 119,6 bilhões, ou 3,14% do PIB. Resultado acima da meta nominal de R$ 117,9 bilhões para 2011.

O porém, conforme notou a Rosenberg e Associados, é que, excluindo o impacto líquido da receita da capitalização da Petrobras, o resultado em 12 meses cai para a casa dos R$ 90 bilhões, ou 2,3% do PIB.

Pelo campo externo, como bem lembrou o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, o aperto monetário ocorre da China ao Brasil, passando pela Europa e chegando até aos Estados Unidos, que irão interromper a compra de títulos do Tesouro agora em junho.

"Todo este esforço irá atacar a elevação das commodities", diz o especialista.

Ainda de acordo com Perfeito, não sabemos ao certo o efeito de tudo que foi praticado até agora, seja na ponta macroprudencial, dos compulsórios, passando pelo IOF, aperto fiscal e inclusive alta da Selic.

"O BC acha que já fez bastante, pois contempla todas as medidas. O mercado pede mais, pois embute aí um prêmio de risco por não saber ao certo o efeito disso tudo sobre a inflação", explica Perfeito, lembrando que é da natureza do mercado financeiro uma postura mais conservadora, pois administra recursos de terceiros.

Para Perfeito, o BC faz mais uma alta de 0,25 ponto na Selic porque "prometeu" em ata.

E essa indicação já dada em ata é o argumento que reduz a probabilidade de estabilidade do juro básico. "Não subir a taxa seria como rasgar a ata", disse um estrategista, lembrando que tal atitude comprometeria a comunicação do BC com o mercado.

Cabe lembrar que há outra corrente de pensamento. Esses agentes não ignoram essa melhora na conjuntura, mas avaliam que ainda não há alteração na estrutura dos riscos enfrentados pela autoridade monetária.

O principal questionamento desses agentes é que essa melhora de curto prazo pode não passar de uma melhora de curto prazo. Não se precisa voltar muito no tempo para dar um exemplo disso.

O economista da BGC Liquidez, Alfredo Barbutti, nos convida a um exercício. Se voltássemos para agosto do ano passado e alguém dissesse que teríamos inflação média de 0,8% até o fim do ano, ninguém acreditaria. No entanto, foi o que aconteceu.

O mesmo pode estar acontecendo agora. "Há muita incerteza no cenário. Às vezes, as combinações de eventos acabam ressaltando fatores que são apenas pontuais", pondera o economista.

Para Barbutti, o BC ainda deve manter postura e discurso. Apenas quando essa combinação de atividade fraca, com inflação recuando e fiscal forte estiver consolidada é que caberia uma reavaliação. "Não dá para ficar muito otimista ainda. O jogo não está definido."

No câmbio, mais um fim de mês dos vendidos. O dólar comercial caiu pelo quarto dia, recuando 0,81%, a R$ 1,580. Em maio, a divisa ainda ganhou 0,45%. Mas dá máxima, registrada a R$ 1,633, o preço caiu 3,25%.

No mercado futuro, o dólar para julho, perdia 0,62%, a R$ 1,5915, antes do ajuste final.

O BC tentou rolar os swaps cambiais reversos que vencem hoje, mas não conseguiu. Foram feitas duas tentativas, mas a autoridade monetária recusou todas as propostas pelos 34 mil swaps que ofertava.

Eduardo Campos é repórter