Título: As reais preocupações do BC e as tarefas do Comef
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2011, Opinião, p. A12

A recente decisão do Banco Central (BC) de criar o Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), para cuidar da regulação e fiscalização do sistema financeiro, levantou a suspeita de que mais bancos de pequeno porte possam estar em dificuldades. Ainda está vívida na memória a inesperada quebra do Banco PanAmericano e as dificuldades do Schahin e do Morada.

A crise internacional colocou em xeque o modelo de negócio de muitas dessas instituições pequenas, que ganhavam dinheiro oferecendo crédito consignado, mas tinham que repassar os contratos fechados para os grandes bancos porque não possuíam fundos em volume e preço compatíveis.

Impulsionado por essas e outras operações, o crédito disparou. O estoque total de empréstimos passou de 35% para 46,4% do Produto Interno Bruto (PIB) de dezembro de 2007 a dezembro de 2010.

Quando a crise internacional irrompeu no país, o governo irrigou o mercado para evitar a quebradeira geral que aconteceu em outros países. Mais recentemente, quando a inflação começou a sair do controle, teve que puxar as rédeas, elevando os compulsórios e as exigências de capital dos bancos. O objetivo do BC é desacelerar o crescimento do crédito de 20,7% em 2010 para 13% a 15% neste ano. Essas medidas reduziram o oxigênio dos pequenos bancos. A cessão de carteira, estratégia à qual recorreriam para obter fundos, tornou-se um passivo caro demais para o ativo que lastreia.

Inicialmente, o Banco Central negou que o Comef tivesse sido criado por causa da preocupação com a saúde financeira dos bancos pequenos. O BC argumentou que as instituições brasileiras estão bem capitalizadas. De fato, o índice médio da Basileia (capital em relação aos ativos) dos bancos brasileiros estava em 16,9% em 2010. O percentual é inferior aos 18,8% de 2009, mas está acima dos 11% exigidos pelo BC e dos 8% estabelecidos pelo Banco para Compensações Internacionais (BIS).

Alguns dias depois, porém, reportagem publicada pelo Valor revelou que o BC prevê que o novo cenário econômico-financeiro exigirá que os bancos se capitalizem e busquem novas áreas de atuação. A crise internacional, disse o diretor de Fiscalização do BC, Anthero Meirelles, provocou "mudanças estruturais" no sistema financeiro do país.

Por conta disso, o BC espera um movimento de consolidação, ou seja, de novas aquisições e fusões de bancos menores. Isso pode levar a uma maior concentração do sistema financeiro. Atualmente, os sete maiores bancos já dominam 81% dos ativos bancários; um grupo de 36 instituições médias fica com 16%; e as 95 restantes, com 3%.

Para piorar a situação, a redução do quadro de pessoal do BC com as aposentadorias programadas levanta dúvidas a respeito da capacidade de fiscalização. Membros da diretoria do BC já teriam comentado o problema com representantes do Legislativo.

Sinal da preocupação do Banco Central foi a mudança realizada na diretoria de Fiscalização, que passou a se concentrar na fiscalização e monitoração do sistema financeiro, deixando para a diretoria de Organização os processos punitivos.

É nesse novo cenário que nasceu o Comef. Em outras partes do mundo, a crise internacional desencadeou a criação de organismos especializados na supervisão e regulação bancária, atividades que passaram a ter importância crucial. Os Estados Unidos, por exemplo, criaram novas agências para supervisionar as diferentes áreas do setor financeiro; na União Europeia, surgiram três.

O Brasil sempre preferiu concentrar as tarefas de política monetária e supervisão do sistema financeiro no guarda-chuva do BC. Mas agora sentiu necessidade de reforçar a fiscalização e supervisão, que terão papel fundamental com as novas regras de capitalização dos bancos, chamada de Basileia 3, que estabeleceu novas exigências de capital e colchões de liquidez.

A nota do BC que anuncia a criação do Comef diz que, além de zelar pela solidez do sistema financeiro, o comitê ajudará no "cumprimento da missão do BC de assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente", missão que se confunde com a do Copom.

Apesar de os diretores do Banco Central terem tentando minimizar a importância do Comef, sua estatura está na sua própria composição: farão parte das reuniões bimestrais do comitê nada menos do que o presidente e toda a diretoria do BC.