Título: É preciso mais criatividade para o controle da inflação
Autor: Saboia, João
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2011, Opinião, p. A12

Cada vez mais o Brasil se afasta do padrão internacional de taxas básicas de juros relativamente moderadas, transformando-se no campeão inquestionável dos juros mais altos do planeta. A elevação dos juros é uma prática usual em termos de política monetária para a redução do ritmo da atividade econômica e da inflação. Quanto a isso não há o que questionar. O problema é o nível que as taxas de juros alcançaram no Brasil, que não tem paralelo na economia mundial.

A atuação do Banco Central (BC) sobre a taxa básica de juros do país (Selic) nesse momento é bastante questionável se o que se deseja é a redução do consumo e, consequentemente, da atividade econômica e da inflação. Inclusive porque as taxas de juros utilizadas pelos consumidores são muito mais elevadas que a Selic. Além disso, seu efeito sobre a atividade econômica leva vários meses.

Há formas mais diretas de se atuar na ponta do consumo, como por sinal o próprio BC já vem atuando desde o final do ano passado, como no caso da elevação dos depósitos compulsórios dos bancos, que reduzem o volume de recursos disponíveis para empréstimos e elevam a taxa de juros ao consumidor.

Embora parte do aumento da inflação nos últimos meses possa estar associada a um crescimento da demanda interna, que responde à elevação dos juros, importante parcela está ligada ao aumento do preço das commodities internacionais, incluindo os alimentos que têm peso elevado no IPCA. Os preços administrados possuem regras definidas de indexação e também têm tido importante contribuição para a inflação recente. Qual seria a contribuição de um aumento da Selic sobre tais itens? Provavelmente nenhuma.

Ao fixar a taxa básica em nível extremamente elevado, representando um verdadeiro "outlier" na conjuntura internacional, o BC estimula a entrada de capitais especulativos no país, como já vem ocorrendo há vários anos. Isso favorece a valorização do real, prejudicando as exportações e aumentando as importações.

Assim, o atual déficit em conta corrente tenderia a crescer ainda mais. Talvez o único efeito favorável da valorização do real seja seu reflexo sobre a inflação, através da queda dos preços dos produtos importados.

Há críticas generalizadas que aparecem na mídia sobre os gastos exagerados do governo e a necessidade de redução do déficit público. Certamente a qualidade do gasto público no Brasil pode e deve ser questionada. Entretanto, é preciso também não esquecer que, apesar do grande esforço fiscal, o superávit primário do governo acaba se transformando em déficit por conta do enorme volume de pagamento de juros da dívida pública. Essa questão praticamente não representa uma preocupação importante para críticos dos gastos públicos.

Nos últimos 12 meses, a Selic subiu mais de três pontos percentuais. Isso representa algo como R$ 50 bilhões de pagamentos adicionais de juros ao ano se considerarmos seu efeito sobre o conjunto da dívida pública. Por sinal, trata-se do mesmo valor dos cortes no orçamento deste ano anunciado pelo governo Dilma, e pouco menos do que o volume de novos aportes ao BNDES para incentivar os investimentos reconhecidamente necessários ao país.

Quando feita a comparação do que o Brasil desperdiça com o pagamento dos altos juros da dívida pública com os demais gastos do governo fica ainda mais clara a necessidade do BC mudar sua atuação no sentido de trocar novas elevações da Selic por formas alternativas de política monetária, como as chamadas "medidas macroprudenciais", buscando se aproximar do padrão internacional de taxas de juros.

Um exemplo é suficiente para ilustrar a situação. Basta considerar o principal programa da área social do governo: o programa Bolsa Família. Cada ponto a menos na taxa básica de juros seria suficiente para cobrir as despesas anuais do PBF e ainda sobrariam alguns bilhões de reais a cada ano.

Poder-se-ia argumentar que o BC é obrigado a seguir as expectativas e demandas do mercado no sentido de elevação dos juros básicos da economia sob o risco de ter dificuldades de rolagem da dívida pública. Ora, se os capitais internacionais estão interessados em aplicar em títulos públicos brasileiros, por que razão os investidores nacionais não o fariam? Quais seriam as alternativas melhores do que uma aplicação praticamente sem risco que paga atualmente 12% ao ano em reais, uma das moedas que mais se valorizam no mundo? Mesmo com a redução da Selic as aplicações em títulos públicos ainda continuariam a ser um investimento excepcional.

Outro ponto que poderia ser acrescentado à análise é a exagerada preocupação com o ritmo da atividade econômica que precisaria ser reduzido para favorecer o combate à inflação. Quanto a isso, já existem diversos indicadores da indústria e do comércio que mostram um nítido arrefecimento da economia nos últimos meses. As expectativas para o crescimento econômico em 2011 estão baixando rapidamente. Os 7,5% de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 foram excepcionais e ocorreram a partir de uma base extremamente deprimida por conta da recessão de 2009.

Quando considerados os dois últimos anos o crescimento médio não passa de 3,5%, portanto, abaixo da média dos oito anos do governo Lula. Dessa forma, a preocupação deveria se deslocar para a rápida desaceleração da economia e não o contrário.

Em resumo, o atual processo de elevação da taxa básica de juros deveria ser encerrado imediatamente, ao mesmo tempo em que o BC deveria procurar ser mais criativo, aprofundando formas alternativas de política monetária (com taxas de juros civilizadas), que conduzam os preços para o centro da meta inflacionária a médio prazo, sem grandes prejuízos para o crescimento da economia. O novo BC parece querer caminhar nesse sentido, mas ainda se mostra muito tímido.

João Saboia é diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.